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(De)Colonialidade nas celebrações de 12 de outubro na América Latina
(De)colonialidad en las celebraciones de 12 de octubre en América Latina
(De)Coloniality in the celebrations of October 12 in Latin America
Revista nuestrAmérica, vol. 9, núm. 17, e6172883, 2021
Ediciones nuestrAmérica desde Abajo

Artículos libres

Esta obra podrá ser distribuida y utilizada libremente en medios físicos y/o digitales. La versión de distribución permitida es la publicada por Revista nuestrAmérica (post print). Color ROMEO azul. Su utilización para cualquier tipo de uso comercial quedaestrictamente prohibida. Licencia CC BY NC SA 4.0: Reconocimiento-No Comercial-Compartir igual-Internacional

Recepción: 22 Mayo 2020

Aprobación: 27 Abril 2021

Publicación: 18 Mayo 2021

DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.6172883

Resumo: O dia 12 de outubro de 1492 marca a chegada de Cristóvão Colombo no território que vem a ser chamado América. Esta data é celebrada em muitos países hispano-americanos e, em alguns, é considerada feriado nacional. Denominada inicialmente como Día de la Raza nas últimas décadas, diversos países começaram a alterar as designações dadas a estas celebrações, denotando um processo de resistência dos povos indígenas e afro-americanos. Este artigo aborda a instauração e as designações das celebrações de 12 de outubro, promovendo uma reflexão sobre o caráter multifacetado desta data. As reflexões partem da perspectiva decolonial, que permite compreender como se instaurou o eurocentrismo que provocou o silenciamento de grupos que foram subalternizados. Neste cenário, visualizam-se as possibilidades de descolonização das práticas e epistemes, a partir das lutas por reconhecimento da diversidade existente nas sociedades inter e pluriculturais Latino-Americanas.

Palavras-chave: colonialismo, raça, decolonialidade, resistência, interculturalidade.

Resumen: El día 12 de octubre de 1492 enmarca la llegada de Cristóbal Colón en el territorio que viene a ser nombrado América. Esta fecha es celebrada en muchos países hispanoamericanos y, en algunos, es considerada día festivo. Denominada inicialmente como Día de la Raza, en las últimas décadas, diversos países han empezado a cambiar las designaciones dadas a estas celebraciones, denotando un proceso de resistencia de los pueblos indígenas y afroamericanos. Este artículo trata sobre la instauración y las designaciones de las celebraciones de 12 de octubre promoviendo una reflexión sobre el carácter multifacético de esta fecha. Las reflexiones arrancan de la perspectiva decolonial, que permite comprender como se ha instaurado el eurocentrismo que ha provocado el silenciamiento de grupos que fueron subalternados. En este escenario, se vislumbran las posibilidades de descolonización de las prácticas y epistemes, a partir de las luchas por reconocimiento de la diversidad existente en las sociedades inter y pluriculturales latinoamericanas.

Palabras clave: colonialismo, raza, decolonialidad, resistencia, interculturalidad.

Abstract: The 12th of October 1492 remarks the arrival of Christopher Columbus in the territory that will be named as America. This date is celebrated in many Hispanic American countries and, in some, it is considered a national holiday. Initially known as Día de la Raza in recent decades, several countries have changed the name given to these celebrations, denoting a process of cultural resistance by the indigenous and African Americans peoples. This article addresses the establishment and the designations of the celebrations of October 12, promoting a reflection on the multifaceted character of this date. The reflections start from the decolonial perspective, which allows us to understand how the Eurocentrism was established, which caused the silencing of groups that were subordinated. In this scenario, the possibilities of decolonization of of practices and epistemes are visualized, based on the struggles for the recognition of the diversity that exists in Latin American inter and pluricultural societies.

Keywords: colonialism, race, decoloniality, resistance, interculturality.

Introdução

As celebrações, em diferentes partes do mundo, têm finalidades diversas, evidenciando, por meio de práticas variadas, as culturas locais dos povos. Elas são importantes porque fortalecem as comunidades, suas identidades, formas de pensamento e de pertencimento.

O dia 12 de outubro de 1492 representa a chegada de Cristóvão Colombo ao lugar que, posteriormente, seria denominado América. Esse acontecimento modificou a dinâmica do mundo pela exploração de territórios que passaram a ser incorporados ao colonialismo eurocentrado e ocasionou o encobrimento dos povos originários (Dussel 1993). Em 1913, essa data começou a ser celebrada na Espanha, denominada, inicialmente, como Día de la Raza, com o objetivo de comemorar o “descobrimento”. Posteriormente, essa celebração foi nominada Día de la Hispanidad, no intuito de considerar a unificação dos povos americanos colonizados pela Espanha em torno de uma origem, fé e língua comum.

Com o passar do tempo, essa prática festiva se estendeu a diversos países que pertenciam à colônia espanhola, popularizando o Día de la Raza ou Día de la Hispanidad, em um processo de rememoração de um passado de glórias imaginadas, configurando uma tradição inventada (Hobsbawm 1984). Após anos de silenciamento, diversos grupos subalternizados, sobretudo indígenas de países latino-americanos, começaram a se movimentar no ensejo de modificar esta designação colonial, procurando não só descolonizar o imaginário social, mas também legitimar o entendimento da composição étnica plural destes territórios.

Este estudo teve por objetivos: realizar uma análise sobre a instauração das celebrações de 12 de outubro no contexto hispano-americano; fazer um levantamento das designações oficiais desta data nos países de colonização espanhola da América Latina; promover uma reflexão sobre o caráter multifacetado destas celebrações e as mudanças designativas das festividades na (re)construção identitária de cada país. Para tanto, utilizou-se a perspectiva decolonial, de autores(as) como Aníbal Quijano, Enrique Dussel, Catherine Walsh, Arturo Escobar, Carlos Walter Porto-Gonçalves, dentre outros(as, e realizou-se um levantamento de fontes documentais eletrônicas, nos sites oficiais da Espanha e dos dezenove países hispano-americanos, a saber: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, México, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.

Por entender que a tradução de um termo pode afetar a semântica, optou-se por deixar, ao longo do texto, as designações das celebrações em sua língua original (espanhol) bem como as citações de materiais da pesquisa. Este estudo não se debruça sobre as características, detalhes ou práticas realizadas nas celebrações de 12 de outubro de cada país; limita-se a considerar as mudanças nas nomeações dessas festividades como práticas decoloniais resultantes das resistências dos povos afro-indígenas da América Latina.

Ciente da miríade de possibilidades de discussões em torno das temáticas emergidas neste artigo, espera-se que este texto sirva como centelha para outros desdobramentos, em estudos que considerem a diversidade e as identidades inter e pluriculturais na América Latina.

O colonialismo e o encobrimento do “outro”

As celebrações são constitutivas de distintos povos e tem finalidades diversas; algumas são de caráter privado, enquanto outras, são de caráter público. Quando ocorrem com a participação coletiva dos integrantes da comunidade, configuram-se como festas populares. Carlos Rodrigues Brandão (1974) percebe-as como acontecimentos com efeitos identificadores, os quais podem homenagear, honrar ou rememorar personagens com que a sociedade se identifica. Corroborando com essa percepção, Josiane Wedig e Renata Menasche (2010) consideram as festas enquanto rituais, como atos simbólicos que falam da organização social e da sociabilidade dos grupos, os quais favorecem formas de construção de suas identidades.

Osvaldo Meira Trigueiro (2015, 1) percebe as celebrações como processos culturais “em constante movimento entre os espaços públicos e privados das instâncias sociais”. Assim, essas práticas, de forma diacrônica, podem conservar elementos tradicionais e incorporar outros novos, diante das modificações do contexto social e/ou histórico, trazendo ao presente, representações do passado, marcadas pelas diversidades nacionais, regionais e locais.

Muitas das festas na América Latina têm cunho religioso, com manifestações de fé, agradecimento por graças concedidas ou ainda pedidos especiais; outras, rememoram fatos históricos e exaltam protagonistas, considerados heróis do passado. Essas festas ativam a memória social, fazendo com que o passado se mantenha vivo no presente, por meio do imaginário, projetado nos monumentos e em manifestações culturais, contribuindo para a afirmação da identidade (Cruz, Menezes e Pinto 2008).

Essas produções culturais, sejam de ordem popular, cívica ou religiosa, configuram o que Eric Hobsbawm (1984, 10) concebe como tradição inventada, ou seja, “conjunto de práticas [...]que visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado”. As celebrações podem, por vezes, ser instituídas pelo Estado a fim de evocar, entre seus partícipes, uma ideologia nacionalista e uma memória coletiva (Stavenhagen 1985), a qual é considerada uma memória que transcende o individual e é compartilhada por um grupo (Villa Gómez e Barrera 2017).

Segundo Immanuel Wallerstein (1999), com o desenvolvimento do sistema-mundo moderno passa-se de sentimentos de nacionalismo fraco ou inexistente, a um sobressaliente, pleno; e esse sentimento é mote das celebrações tratadas nesse artigo. Dentre elas, em países da América Latina, o dia 12 de outubro de 1492 tem certa centralidade, pois remete a uma data que viria a mudar o destino do mundo (Porto-Gonçalves 2012). No século XX, ela passou a compor o calendário festivo oficial da maioria das nações americanas que foram dominadas pela coroa espanhola, sendo considerada como Día de la Raza ou Día da Hispanidad, remetendo a interesses econômicos e políticos (Sánchez 2016).

Esse encontro entre Europa e América provocou o que Enrique Dussel (1993) denominou como encobrimento do outro, estabelecendo o colonialismo e definindo a relação centro e periferia, a partir de uma perspectiva eurocêntrica (Quijano 2005). Com a independência dos países latino-americanos, a colonialidade não desapareceu, visto que se perpetua nas estruturas, instituições, mentalidades, imaginários, subjetividades e epistemologias, delineando, ainda hoje, essas sociedades (Almeida e Silva 2016). Entender essa perpetuação das formas coloniais de dominação, produzidas pelas estruturas do sistema capitalista moderno, é perceber que elas seguem operando nos níveis político, econômico e sociocultural e que, mais profundamente, “esta modernidad se ha arrogado el derecho de ser ‘el’ Mundo (civilizado, libre, racional), a costa de otros mundos existentes o posibles” (Escobar 2015, 93).

Uma das categorias centrais do colonialismo e da colonialidade é a noção de raça, a qual estabeleceu uma classificação racista da população mundial, definindo uma suposta estrutura biológica distinta, que situou alguns povos em posição de inferioridade a outros (Quijano 2005). Nessa hierarquia, os europeus se autodefiniram como superiores, racionais e dominantes, produzindo uma narrativa sobre os povos não-europeus e alimentando seu ego de descobridor, conquistador e colonizador (Dussel 1993). Inclusive o nome dado a este território, até então conhecido pelos povos originários como Abya Yala, Tawantisuyu e Anáhuac (Porto-Gonçalves e Quental 2012), foi modificado para América, ratificando o poder dos colonizadores.

Esse território emergiu como um novo espaço para a extração de produtos com base na escravização de povos africanos, realizada por nações imperiais europeias como Espanha, Portugal, Inglaterra e França (Mignolo 2008). Essas práticas dizimaram, através de genocídios e epidemias, diferentes povos que aqui habitavam (Dussel 2005). Assim, desde a “descoberta” da América, configura-se o padrão de poder moderno colonial, marcado pela exploração e dominação dos povos, o qual transfere para estes locais, instituições e técnicas de poder e saber do ocidente. De acordo com Rogerio Haesbaert (2007, 20), o “território [...] tem a ver com poder, mas não apenas ao tradicional ‘poder político’, ele diz respeito tanto ao poder no sentido mais explícito, de dominação, quanto ao poder no sentido mais implícito ou simbólico, de apropriação”.

Dessa forma, a partir do final do século XV, surge um novo paradigma da vida cotidiana, da história, da ciência e da religião” (Dussel 2005). Esse modelo civilizatório dominante, de uma modernidade capitalista, exerceu influência na maior parte do mundo, baseado em uma ontologia dualista, a qual “separa o humano do não humano, natureza e cultura, indivíduo e comunidade, ‘nós’ e ‘eles’” (Escobar 2015, 93). Por interesse das elites coloniais, esse modelo prevalece, reproduzindo hierarquias entre o “eu” (europeu) e o “outro” (não-europeu), operando divisões de raça, classe, e gênero, além de efetuar sobreposições epistêmicas (Grosfoguel 2008).

Entre os padrões europeus trazidos para a América estão a imposição linguística e a religiosidade cristã, haja vista que Espanha se considerava a “salvadora” dos povos originários, concebendo a colonização como uma missão divina, através do prolongamento de sua identidade nacional e religiosa que privilegiava o cristianismo em detrimento de outras cosmologias (Mignolo 2016).

Portanto, houve o encobrimento dos povos originários em ações que silenciaram suas formas de vida por séculos, cujas marcas dessa dominação são evidentes nas festividades de 12 de outubro que ocorrem em diversos países hispano-americanos. Somente nas últimas décadas, a partir de mobilizações e resistências dos grupos subalternizados, os nomes oficiais dessas celebrações foram modificados, permitindo processos de (re)construção identitária inter e pluriculturais desses territórios.

A instituição colonial das celebrações de 12 de outubro na América Latina

Para a compreensão do significado das celebrações de 12 de outubro é preciso observar como ocorreu a instauração dessa data comemorativa nos calendários de alguns países latino-americanos colonizados pelos espanhóis. Nessa data é celebrada a chegada de Cristóvão Colombo na América, navegador genovês considerado por Mario González (2015, 14) “un navegante alucinado [...] que afinó con los Reyes Católicos en los aspectos políticos y económicos de la empresa que proponía: ampliar el poder cristiano y sacarle ventaja a Portugal en el producto comercial de las navegaciones. Autores como Maria Bozzoli, Eugenia Ibarra e Juan Quesada (1998) consideram que Colombo foi agente de homens de negócio e tinha uma obsessão por encontrar metais preciosos, como o ouro. Suas ações resultaram no “descobrimento” e, a partir dele, foi modificada a história mundial, que passou a ser configurada pelo colonialismo.

Foi o colonialismo que instituiu a ideia de raça, a qual Anibal Quijano (2002, 4) considera que “se tornou o fundamento do padrão universal de classificação social básica e de dominação social” dos povos. Este racismo moderno/colonial (Quijano 2005), surgido no século XVI, se torna o princípio organizador que compõe as múltiplas hierarquias do sistema-mundo-moderno-colonial, gerando uma nova configuração que incide sobre diversas formas de dominação: étnica, sexual, linguística, religiosa, política, epistêmica, entre outras (Grosfoguel 2008). Além disso, essa dominação moderna altera formas de trabalho e de produção do conhecimento, hierarquizando-as racialmente. Com isso, impõe-se uma visão universal da história, associada à ideia de progresso, na qual os povos deveriam percorrer uma linearidade que se estende do “primitivo” ao “moderno”, tendo a centralidade no homem, branco, europeu e cristão, que se autointitula como civilizado (Lander 2005).

A primeira celebração de 12 de outubro foi proposta em 1913, pelo ex-prefeito de Madri, Faustino Rodríguez-San Pedro, quando presidia a organização da União Ibero-Americana, instituição criada em 1885, com o objetivo de estabelecer relações sociais e políticas entre Espanha, Portugal e as nações americanas (Sánchez 2016). Em um documento, difundido à época, pela União Ibero-Americana constava:

Fiesta de la Raza. Es aspiración fomentada por la Unión Iberoamericana, y para cuya realización se propone efectuar activa propaganda en 1913, la de que se conmemore la fecha del descubrimiento de América, en forma que a la vez de homenaje a la memoria del inmortal Cristóbal Colón, sirva para exteriorizar la intimidad espiritual existente entre la Nación descubridora y civilizadora y las formadas en el suelo americano, hoy prósperos Estados. Ningún acontecimiento, en efecto, más digno de ser ensalzado y festejado en común por los españoles de ambos mundos, porque ninguno más ennoblecedor para España, ni más trascendental en la historia de las Repúblicas hispanoamericanas (Fiesta de la Raza 2004).

Essa celebração idealizava comemorar o “encontro de dois mundos”, buscando valorizar o suposto legado civilizatório da Espanha sobre os territórios hispano-americanos. No entanto, este conjunto de práticas denota uma ótica racista e um pensamento de superioridade europeia em relação aos povos locais, perpetuando a colonialidade do poder, do saber e do ser.

Nos anos de 1914 e 1915 a União Ibero-Americana realiza, na Espanha, a Fiesta de la Raza. Em 15 de junho de 1918, a data de 12 de outubro ganha estatuto de festa nacional por lei sancionada pelo então Rei Alfonso XIII, cujo modelo foi assumido por várias nações hispano-americanas. Nos anos 1940, por considerar esta designação inadequada, o sacerdote espanhol Zacarías de Vizcarra sugere sua mudança para Día de la Hispanidad, afirmando:

El concepto de la “Hispanidad” no incluye ninguna nota racial que pueda señalar diferencias poco agradables entre los diversos elementos que integran a las naciones hispánicas. Es un nombre de “familia”, de una gran familia de veinte naciones hermanas, que constituyen una “unidad” superior a la sangre, al color y a la raza de la misma manera que la ‘Cristiandad’ expresa la unidad de la familia cristiana, formada por hombres y naciones de todas las razas, y la ‘Humanidad’ abarca sin distinción a todos los hombres de todas las razas, como miembros de una sola familia humana. Es una denominación que a todos honra y a nadie humilla (Vizcarra 1944).

Esse ideal declarado traz em seu âmago uma expectativa de unificação dos povos em torno de uma origem, fé e língua comum, em um processo de fortalecimento de laços culturais entre Espanha e América (Pismel 2016). No entanto, a referência à hispanidade como cultura central e o cristianismo como religião oficial não leva em conta a violência colonial, tanto sobre os corpos, quanto sobre o imaginário, visto que a religião cristã foi violentamente imposta aos indígenas e africanos, uma vez que que eles eram considerados pagãos, satânicos e perversos, tendo, portanto, seus templos e saberes destruídos para a instituição de um processo de “conquista espiritual” (Dussel 1993). Suas relações milenares foram desprezadas, e um modelo de sociedade moderna, baseada na racionalidade europeia e cristã, foi exaltada (Walsh 2008).

As atrocidades cometidas contra esses povos, resultaram em genocídio e epistemicídio. No âmbito linguístico, por exemplo, entende-se que a língua é a expressão da cultura de que faz parte (Magrini et al., 2009), portanto, a extinção de milhares de línguas indígenas na América, ocasionou − e segue ocasionando – a perda de identidade étnica e social dos sujeitos, em uma relação que cruza territórios, línguas e poder. As línguas dominantes, eurocêntricas, foram sustentadas “por regimes expansionistas que estabeleceram políticas de aculturação em seus territórios conquistados e abandono de traços culturais locais” (Magrini et al., 2009, 6). Ou seja, os colonizadores consideravam que as línguas que não eram aptas para o pensamento racional europeu denotavam a inferioridade de seus falantes (Mignolo 2017), por isso, usaram uma política linguística exógena para doutrinamento e dominação dos povos, extinguindo sua possibilidade de expressão locais. Em palavras de Rosas Xelhuantzi (2018, 77), “La castellanización en el Nuevo Mundo era vista como un medio para uniformar el dominio español e instaurar sus leyes, acorde a la premisa de imponer la lengua del imperio sobre los pueblos bárbaros vencidos”.

O nome Día de la Hispanidad foi reconhecido legalmente em 10 de janeiro de 1958, em Madri, por decreto firmado por Francisco Franco, o qual enfatizou a Espanha como a “progenitora de las naciones, a las cuales ha dado, con la levadura de su sangre y con la armonía de su lengua, una herencia, inmortal que debemos afirmar y mantener con jubiloso reconocimiento” (Espanha 1958). Ele destaca a adesão desta festividade pelas nações hispano-americanas e define o hispanismo como elemento cristão e pacificador:

La Comunidad hispánica de naciones —que convive fraternalmente en la Península y en el Nuevo Continente con la Comunidad Luso-Brasileña— tiene el ineludible deber de interpretar la Hispanidad como un sistema de principios y de normas destinado a la mejor defensa de la civilización cristiana y al ordenamiento de la vida internacional en servicio de la paz. De aquí el que debamos entender principalmente este aniversario como una prometedora vertiente hacia el futuro; y la Hispanidad misma como doctrina de Fe, de Amor y de Esperanza que, asegurando la libertad y la dignidad del hombre, alcanza con idéntico rigor a España y a todos los pueblos de la América Hispánica (Espanha 1958).

A alteração do nome de Día de la Raza para Día de la Hispanidad poderia, em um primeiro momento, ser visto como um rompimento do estigma racial colonial; entretanto, a noção de hispanidade segue reafirmando a supremacia europeia como valor único, reforçando a concepção eurocêntrica, cultural e religiosa imposta pelos dominadores que negam os valores e saberes dos povos indígenas e afro-americanos. Tais aspectos são importantes de serem discutidos porque permitem refletir sobre como foram compostas as tessituras das identidades nacionais no enredo das sociedades americanas e suas narrativas, fazendo entender as relações escravagistas estabelecidas, as desigualdades de classes e a atribuição de subdesenvolvimento da América Latina.

Mesmo com outro nome − Día de la Hispanidad−, o conceito de raça permanece nos enunciados, imagens e comportamentos, como pode-se notar no cartaz da figura 1, que remete à festividade de 1947, propagada na Argentina, que evidencia um homem de pele escura (afro-americano ou indígena), sendo “protegido” por um conquistador.


Figura 1
Cartaz da celebração de 12 de outubro de 1947
https://www.anred.org/2019/05/09/la-masacre-que-incomoda

A imagem reitera o mito da modernidade (Dussel 1993), em que os europeus se autodescrevem como civilizados com a obrigação de desenvolver os ditos “primitivos” e “bárbaros”, enquanto uma exigência moral. Conforme Enrique Dussel (2005), esse mito propaga a ideia de que, quando os povos colonizados se opõem ao processo civilizador, o colonizador deve exercer a violência, considerada justa e legítima para “emancipar” suas próprias vítimas (indígenas, africanos, mulheres etc.).

Destaca-se que os indígenas das Américas e os africanos escravizados eram classificados como não humanos, como animais, incontrolavelmente sexuais e selvagens (Lugones 2014). Assim, os sofrimentos e as violências impostas sobre esses povos foram interpretados como inevitáveis para a “modernização” e superação do “atraso” deles (Dussel 2005). Na Figura 1, observa-se a centralidade do homem branco, que passa a ser o espelho para o colonizado, reforçando a ideia de raça, expressa nas diferenças fenotípicas que naturalizam as relações coloniais de dominação entre europeus e não-europeus (Quijano 2005). Pela exploração do trabalho de negros, índios e mestiços se constituiu, desde então, as relações racistas que perduram nas sociedades atuais e ratificam a colonialidade do ser, que segundo Catherine Walsh (2008, 138), “es la que se ejerce por medio de la inferiorización, subalternización y la deshumanización”.

Descolonizando o Día de la raza: resistências afro-indígenas para uma visibilidade identitária da América

No século XIX, os movimentos de libertação nacional ganharam força na América, resultando na independência da colônia espanhola e na constituição de alguns Estados-nacionais, como: Argentina, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Chile, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Venezuela e Uruguai. Mesmo libertando-se da metrópole, esses países continuaram a sofrer ações neocoloniais através do controle de suas instituições, dos seus corpos e de seus territórios. Nas palavras de Frantz Fanon (1961), “el dominio colonial, por ser total y simplificador, tiende de inmediato a desintegrar de manera espectacular la existencia cultural del pueblo sometido”.

Esses Estados buscaram assimilar os diversos povos que os compõem em nome de uma identidade nacional unificada. No entanto, há inúmeras resistências daqueles que, conforme Eduardo Viveiros de Castro (2017, 4) não se enquadram como súditos, ou seja, “não se sentem representados por um Estado dominado por uma casta de poderosos”. Para o autor, os povos indígenas têm “como referência primordial a relação com a terra”. Assim, os movimentos de base étnico-territorial realizam atos de oposição, defesa e afirmação de suas identidades políticas (Escobar 2015) e ocorre, através deles, processos interculturais que, segundo Catherine Walsh (2019), compõem um paradigma "outro", contrapondo-se à colonialidade do poder, tornando visível a diferença colonial.

Os povos ameríndios e afro-americanos que foram subalternizados passaram a reivindicar, em diversos países, a alteração da designação das celebrações de 12 de outubro, através de um processo de luta para que fosse reconhecida a diversidade étnica e cultural desses povos, a ancestralidade e, sobretudo, a defesa à vida (Escobar 2015). Essas lutas contrapõem-se aos enunciados que exaltam a “conquista” e buscam “re-fundar el Estado e interculturalizar, plurinacionalizar y descolonizar sus estructuras e instituciones” (Walsh 2008, 135)

No quadro 1, apresenta-se um levantamento das designações das celebrações de 12 de outubro na Espanha e nos países hispano-americanos, com respectivas leis ou decretos, cujas informações foram obtidas em páginas oficiais governamentais. Nos casos em que não foram encontrados registros datados, colocou-se a observação “sem data” (s.d.). Ressalta-se que, nem todos estes países estabelecem o dia 12 de outubro como feriado nacional.

Quadro 1
Designações das celebrações de 12 de outubro

elaboração própria com base documental (2020). Depositado em Zenodo https://doi.org/10.5281/zenodo.6172984

É notório que em cada uma dessas designações elegidas por cada país, há uma carga semântica a qual reproduz ou se contrapõe ao imaginário colonial, expressando posturas políticas de enunciados hegemônicos ou de resistência, compondo, portanto, a voz dos dominantes ou dos que foram silenciados. Por isso, a exclusão do termo raça e a inclusão de termos como interculturalidade, diversidade cultural, resistência indígena, negra e popular, entre outras, representam a visibilidade identitária da América. Desta feita, os esforços de alteração dos nomes dessas festividades são importantes porque “toda denominação apaga necessariamente outros sentidos possíveis” (Orlandi 2011, 74), ou seja, enunciar “Día de la raza”, “Día de la hispanidad” ou “Día de la Descolonización” são atos totalmente distintos pelos efeitos de sentido que provocam nos sujeitos que vivenciam esses diferentes acontecimentos, embora, certamente, não apaguem a violência histórica cometida nestes territórios.

Embora haja, ainda, países que mantém o nome Día de la Raza, há processos de resistência em curso, como por exemplo, no México. Enrique Dussel (1993) refere que, em uma consulta feita em 1987, sobre os 500 anos de evangelização nesse país, os povos indígenas apontavam que haviam sido enganados sobre o descobrimento e que o Dia da Raça não é uma festa, mas sim um velório, um dia de luto. Destaca-se, a seguir, a trajetória dos países que avançaram em suas concepções e alteraram as designações coloniais, o que ocorreu em razão das resistências realizadas por povos indígenas e negros.

Um dos primeiros países a realizar a alteração designativa da data foi a Costa Rica que, em 1994, implementou uma nova lei que denomina Día de las Culturas. A lei anterior de 1968– que nomeava Día del Descubrimiento y de la Raza - trazia, já no em seu artigo primeiro, um teor de exaltação ao descobrimento e raiz hispana.

ARTICULO 1º. El 12 de octubre será conmemorado todos los arios, en forma apropiada, como Día del Descubrimiento y de la Raza, para celebrar el hecho histórico del arribo de las carabelas de Colón a las islas del Continente Americano, recordar perennemente la comunidad que vincula a las Naciones de Hispanoamérica entre sí, por los lazos de una misma fe religiosa, iguales tradiciones históricas y culturales, raíces biológicas comunes y propósitos idénticos de defensa de la civilización cristiana dentro del ordenamiento jurídico de la vida internacional, basado en la igualdad de las Naciones y el respeto del Derecho (Costa Rica 1968).

Esta lei foi revogada em 1994 pela Lei 7426 a qual, em seu artigo primeiro, revela um posicionamento diferenciado da versão anterior, ou seja, considera a valorização da pluralidade da composição étnico-cultural do país.

ARTICULO 1.- Conmemoración. Todos los años, se conmemorará el 12 de octubre como "Día de las Culturas", para enaltecer el carácter pluricultural y multiétnico del pueblo costarricense. Se recordará, asimismo, el hecho histórico del arribo de Cristóbal Colón al continente americano. Los valores indígenas, europeos, africanos y asiáticos presentes en la composición de la idiosincrasia costarricense se exaltarán en los actos conmemorativos del Día de las Culturas. Se recordarán, en ese día, los lazos históricos y culturales que vinculan a las naciones de Hispanoamérica. Además, se estimulará la recuperación de los citados valores (Costa Rica 1994).

Catherine Walsh (2008, 142) destaca que a plurinacionalidade é “un término que reconoce y describe la realidad de un país en la cual pueblos, naciones o nacionalidades indígenas y negras […] conviven con blancos y mestizos.” Na América poucos são os Estados-nacionais que reconhecem o pluralismo étnico em sua composição territorial. Entre os que se definem como plurinacionais e interculturais estão o Equador e a Bolívia (Walsh 2008), os quais modificaram, no ano de 2011, via decretos presidenciais, as designações das celebrações de 12 de outubro. O Equador passa a denominar a festividade, a partir de decreto firmado pelo ex-presidente Rafael Correa, como Día de la Interculturalidad y la Plurinacionalidad, para “promover el diálogo entre las diversas culturas y saberes, fortalecer la unidad nacional en la diversidad de construir el nuevo Estado incluyente de paz y justicia” (Equador 2011). Na Bolívia, o Decreto 1005/2011 renomeia a celebração como Día de la Descolonización, trazendo no quarto item de seu preâmbulo:

Que el Estado Plurinacional tomando en cuenta las diversas Resoluciones de las organizaciones indígena originario campesinos a nivel nacional, regional y continental, ha adoptado e iniciado profundas transformaciones políticas, jurídicas e institucionales, con el objetivo de descolonizar el Estado desde el mismo Estado, siendo necesario reparar las injusticias históricas generadas por la invasión (Bolivia 2011).

A designação elegida por este país denota sua orientação decolonial e ratifica o disposto na sua nova Constituição, promulgada em 2009 pelo então presidente Evo Morales, que altera o Estado Republicano para Plurinacional. Esta nova configuração reconhece as diferenças étnicas e a pluralidade na composição do Estado, produzindo uma agenda nacional “outra”, pensada pela perspectiva daqueles sujeitos historicamente excluídos (Walsh 2008).

Na mesma linha de valorização das origens, está o Peru, que considera, desde 2009, a celebração como Día de los Pueblos Originarios y del Diálogo Intercultural, e destacando na Lei 29421informações para os atos comemorativos desta data:

Art. 1º. Objeto de la Ley.

Declárase el 12 de octubre Día de los Pueblos Originarios y del Diálogo Intercultural.

Art. 2º. Actos Conmemorativos.

Cada año el Ministerio de Educación elabora en coordinación con los gobiernos regionales y las organizaciones representativas de los pueblos originarios, los actos y actividades que deben realizarse para conmemorar el Día de los Pueblos Originarios y del Diálogo Intercultural (Peru 2009).

Na Venezuela, o ex-presidente Hugo Chávez, pelo decreto 2020, de 12 de outubro de 2002, nomeou esta data como Día de la Resistencia Indígena; ideia concebida também por organizações campesinas da Guatemala, país que até então, não estabeleceu nenhuma mudança formal de nomenclatura. Na Nicarágua, a mudança da designação da celebração ocorreu em 2007, pelo governo Sandinista, presidido por Daniel Ortega, passando a ser Día de la Resistencia Indígena, Negra y Popular, concebida como política de inclusão de grupos subalternizados e de reconhecimento de direitos humanos.

Na Argentina, a primeira menção oficial sobre esta data ocorreu em 1917, pelo ex-presidente Hipólito Yrigoyen. Este ato instituía a data como festa nacional, denominada Día de la Raza e exaltava o “descobrimento”, a Espanha e o hispanismo.

1º. El descubrimiento de América es el acontecimiento más trascendental que haya realizado la humanidad a través de los tiempos, pues todas las renovaciones posteriores derivan de este asombroso suceso, que a la par que amplió los límites de la tierra, abrió insospechados horizontes al espíritu.

2º. Que se debió al genio hispano intensificado con la visión suprema de Colón, efemérides tan portentosas, que no queda suscrita al prodigio del descubrimiento, sino que se consolida con la conquista, empresa ésta tan ardua que no tiene término posible de comparación en los anales de todos los pueblos.

3º. Que la España descubridora y conquistadora volcó sobre el continente enigmático el magnífico valor de sus guerreros, el ardor de sus exploradores, la fe de sus sacerdotes, el preceptismo de sus sabios, la labor de sus menestrales, y derramó sus virtudes sobre la inmensa heredad que integra la nación americana.

Por tanto, siendo eminentemente justo consagrar la festividad de la fecha en homenaje a España, progenitora de las naciones a las cuales ha dado con la levadura de su sangre y la armonía de su lengua una herencia inmortal, debemos afirmar y sancionar el jubiloso reconocimiento, y el poder ejecutivo de la nación:

Artículo primero: Se declara Fiesta Nacional el 12 de octubre (Argentina 1917).

Em 2010, pelo Decreto 1584 de Feriados Nacionais, a ex-presidenta argentina Cristina Fernández de Kirchner, modifica para Dia del Respeto a la Diversidad Cultural, justificando da seguinte maneira: “[...] se modifica la denominación [...] dotando a dicha fecha, de un significado acorde al valor que asigna nuestra Constitución Nacional y diversos tratados y declaraciones de derechos humanos a la diversidad étnica y cultural de todos los pueblos. (Argentina 2010).

A República Dominicana denomina o dia 12 de outubro de forma similar à Costa Rica; considera como Día de Encuentro de las Culturas, no ensejo de evidenciar as contribuições culturais de europeus, indígenas e afro-caribenhos. Este caminho conduz ao entendimento da interculturalidade como um processo social político para a construção de sociedades, relações e condiciones de vida novas, e da pluriculturalidade, que segundo Walsh (2008, 140) “refleja la particularidad y realidad de la región donde pueblos indígenas y negros han convivido por siglos con blanco-mestizos y donde el mestizaje y la mezcla racial han jugado un papel significante”.

Porto Rico, país que tem um histórico de colonização espanhola e estadunidense celebra o Día de la raza e, desde 2014, pela Lei 111, adicionou no calendário de feriados nacionais o Día del Descubrimiento de Puerto Rico y de la Cultura Puertorriqueña, em 19 de novembro, data que marca a chegada dos espanhóis em 1493 (Porto Rico 2014). Assim, há duas datas que celebram o colonialismo, exaltando as noções de raça e descobrimento.

Cuba não celebra o dia 12 de outubro, mas sim, o dia 10, rememorando a data em que teve início, em 1868, a primeira guerra independentista contra a Espanha, conhecida como Guerra dos dez anos. No Chile, se celebrava, desde 1921, o Aniversario del Descubrimiento de América, porém a partir da Lei 19.688/2000, modificou-se para Encuentro de dos Mundos. Para Enrique Dussel (1993), a noção de encontro é um eufemismo, pois oculta a assimetria da relação e a violência e destruição do mundo indígena.

Na Espanha foram feitas duas alterações de nomenclatura na década de 1980, sendo a primeira, em 1981, denominando Fiesta Nacional de España y Día de la Hispanidad e a segunda, em 1987, como Fiesta Nacional de España. Nesta Lei, promulgada em 08 de outubro, o Rei Juan Carlos I justifica a intenção de unificar uma data de celebração nacional, destacando:

La conmemoración de la Fiesta Nacional, práctica común en el mundo actual, tiene como finalidad recordar solemnemente momentos de la historia colectiva que forman parte del patrimonio histórico, cultural y social común, asumido como tal por la gran mayoría de los ciudadanos. […] La fecha elegida, el 12 de octubre, simboliza la efeméride histórica en la que España, a punto de concluir un proceso de construcción del Estado a partir de nuestra pluralidad cultural y política, y la integración de los Reinos de España en una misma Monarquía, inicia un período de proyección lingüística y cultural más allá de los límites europeos (Espanha 1987).

Embora este artigo tenha como foco de análise os países que foram colônia espanhola, vale mencionar que há outros países da América que também celebram esta data ainda que sob outra concepção. Nos Estados Unidos, por exemplo, a celebração é denominada Columbus Day, desde 1866, por uma perspectiva ítalo-americana, pois Cristóvão Colombo era genovês. Realizada pela primeira vez em Nova Iorque, a celebração logo se expande para outras cidades e passa a ser reconhecida como comemoração nacional a partir de 1937. Recentemente diversos estados americanos, como New Mexico, Hawaii e Michigan, começaram a substituir o termo por Indigenous People’s Day, configurando também um processo de reconhecimento da história e cultura dos povos originários (CNN 2019).

No mundo hispânico, o dia 12 de outubro é também uma data de celebração religiosa. Na Espanha é o dia de Nossa Senhora do Pilar e, em diversos países da América, da Virgem Guadalupe – que é considerada Rainha da Hispanidade ou Rainha das Espanhas, por ser uma expressão da cristianização de grande parte do “Novo Mundo”. Sua aparição se deu ante um índio no México, representando “um símbolo que une diversas classes, grupos sociais, etnias, num momento conjuntural de constituição do Estado-nação” (Dussel 2005, 167). Essa justaposição de celebrações outorga à data maior visibilidade e reforça a percepção da colonização da América como uma missão, de caráter religioso cristão (Sánchez 2016) e civilizatório.

Considerações Finais

As resistências de povos indígenas, negros e outros grupos subalternizados se dão de diversas formas, que contestam os processos da violência colonial em vários âmbitos. Neste artigo, foi abordada a alteração dos nomes das celebrações de 12 de outubro que indicam possibilidades de reconfiguração das noções de raça e hispanidade e fluem rumo ao entendimento e valorização da inter e pluriculturalidade, em um processo de descolonização do imaginário.

Buscou-se compreender os deslocamentos de sentido das designações dessas celebrações, o que permitiu encontrar elementos de (de)colonialidade expressos nas nomeações vigentes em cada país. Observou-se que, originalmente, essas festividades foram instituídas com um teor racista e colonial, que pregava a inferioridade dos povos da América Latina, e que, em vários países, segue presente ainda hoje pela colonialidade do poder, do saber e do ser.

A exaltação dos conceitos de raça e hispanidade reverberaram uma concepção eurocêntrica de civilidade, perpetuando o mito da modernidade (Dussel 1993). Foi a partir do eurocentrismo, difundido pela violência e dominação de corpos, espaços e conhecimentos ancestrais, que o encobrimento/silenciamento dos povos originários se materializou. Esta postura hegemônica rechaçou as matrizes culturais locais e as epistemes dos grupos que foram subalternizados, sobretudo de índios e negros, que representam grande parte da população que compõem a América.

Muitos movimentos de resistência ocorreram – e ocorrem –, para a descolonização do imaginário e o reconhecimento das sociedades que são inter e pluriculturais. As mudanças das designações das festividades de 12 de outubro têm significado um ato de resistência dos povos latino-americanos, como um processo de afirmação identitária. Espera-se que este estudo possa contribuir para uma reflexão crítica acerca dos direitos dos povos originários e de sua diversidade étnico-cultural, buscando a superação do racismo e da colonialidade.

Notas

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