Rev. nuestrAmérica, 2023, n. 22, publicação contínua, e10047145

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Direitos de publicação: Fábio Zambiasi; Marlize Rubin-Oliveira

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Licença: CC BY NC SA 4.0

Recebido: 12 de junho de 2023

Aceito: 23 de outubro de 2023

Publicado: 27 de outubro de 2023


Decolonialidade e desenvolvimento na América Latina, algumas reflexões

Decolonialidad y desarrollo en América Latina, algunas reflexiones

Decoloniality and development in Latin America, some reflections

 

Fábio Zambiasi

Mestre em Desenvolvimento Regional

Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Grupo de Estudos sobre Universidade

Pato Branco, Brasil

fabio.zambiasi@hotmail.com

http://lattes.cnpq.br/0565548660579440

https://orcid.org/0000-0002-1497-0687

 

Marlize Rubin-Oliveira

Doutora em Educação

Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Professora Associada do Departamento de Ciências Humanas e do

Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional

Líder do Grupo de Estudos sobre Universidade

Pato Branco, Brasil

rubin@utfpr.edu.br

http://lattes.cnpq.br/0333386140567227

https://orcid.org/0000-0003-3234-7562

 


Resumo: O objetivo desse ensaio teórico é explorar as concepções de progresso e desenvolvimento a partir dos estudos decoloniais como suporte para pensar em possibilidades outras à América Latina, bem como apresentar algumas das contribuições do Bem Viver em diálogo a noção de possibilidades outras. Para tanto, o exercício teórico aqui desenvolvido estabelece reflexões a partir da perspectiva decolonial abordando a concepção de progresso, movimento histórico da perspectiva de desenvolvimento e a emergência do Bem Viver na América Latina. Afirma-se a necessidade de pensarmos em possibilidades outras frente ao modelo universal de desenvolvimento que acentua a exploração e industrialização intensiva da natureza, assim como orienta os modos de produção, economia e existência social na América Latina. No cenário de possibilidades outras, as concepções de pensamento trazidas pela decolonialidade aliadas a emergência do Bem Viver permitem avançar no desprendimento da perspectiva de desenvolvimento, permitindo almejar horizontes outros de produção, economia e existência social baseados na solidariedade e coexistência entre sociedade e natureza.

Palavras-chave: decolonialidade; progresso; desenvolvimento; Bem Viver; América Latina.

 

Resumen: El objetivo de este ensayo teórico es explorar las concepciones de progreso y desarrollo a partir de los estudios decoloniales como soporte para pensar posibilidades otras para América Latina, así como presentar algunos de los aportes de Buen Vivir en diálogo con la noción de posibilidades otras. Por lo tanto, el ejercicio teórico aquí desarrollado establece reflexiones desde la perspectiva decolonial, abordando la concepción de progreso, movimiento histórico desde la perspectiva del desarrollo y el surgimiento del Buen Vivir en América Latina. Afirma la necesidad de pensar en posibilidades otras frente al modelo universal de desarrollo que enfatiza la explotación e industrialización intensiva de la naturaleza, así como orienta los modos de producción, economía y existencia social en América Latina. En el escenario de posibilidades otras, las concepciones de pensamiento traídas por la decolonialidad aliadas al surgimiento del Buen Vivir posibilitan avanzar en el desprendimiento de la perspectiva del desarrollo, permitiendo apuntar a horizontes otros de producción, economía y existencia social basados en la solidaridad y la coexistencia entre la sociedad y la naturaleza.

Palabras clave: decolonialidad; progreso; desarrollo; Buen Vivir; América Latina.

 

Abstract: The aim of this theoretical essay is to explore the conceptions of progress and development based on decolonial studies as a support to think about possibilities other for Latin America, as well as to present some of the contributions of Bem Viver in dialogue with the notion of possibilities other. Therefore, the theoretical exercise developed here establishes reflections from the decolonial perspective, approaching the conception of progress, historical movement from the perspective of development and the emergence of Bem Viver in Latin America. It affirms the need to think about other possibilities in front of the universal model of development that emphasizes the exploitation and intensive industrialization of nature, as well as guides the modes of production, economy, and social existence in Latin America. In the scenario of possibilities other, the conceptions of thought brought by decoloniality allied to the emergence of Bem Viver make it possible to advance in the detachment of the development perspective, allowing to aim for horizons other of production, economy and social existence based on solidarity and coexistence between society and nature.

Keywords: decoloniality; progress; development; Bem Viver; Latin America.


 

 

Introdução

Esse ensaio teórico tem como objetivo explorar as concepções de progresso e desenvolvimento a partir dos estudos decoloniais como suporte para pensar em possibilidades outras à América Latina, bem como apresentar algumas das contribuições do Bem Viver em diálogo a noção de possibilidades outras. Para tanto, o exercício teórico aqui proposto analisa inicialmente a perspectiva histórica de constituição da concepção de progresso e aborda o movimento histórico de constituição da perspectiva de desenvolvimento. Na sequência, refletimos acerca de possibilidades outras frente ao modelo universal de desenvolvimento presente na América Latina a partir dos estudos decoloniais e das contribuições do Bem Viver.

Historicamente, a chegada da civilização ocidental na América durante o século XV e a consequente dominação de seus povos e grupos tradicionais foi determinante para a constituição da modernidade/colonialidade e de seus padrões de dominação e controle modernos/coloniais (Quijano 2005). Nesse processo, a civilização ocidental se autoimpôs como a civilização mais avançada, superior e desenvolvida existente e, ao alicerçar-se no mito da superioridade eurocêntrica, se colocou no dever de “auxiliar” as demais civilizações ditas pré-modernas e irracionais a avançar em direção ao progresso da humanidade (Escobar 2014). Tratava-se do início da universalização de uma concepção de progresso constituída no espaço europeu a partir do extrativismo e que, entre seus pressupostos centrais, trazia a divisão de dominação centro/periferia, a busca incessante do progresso como uma lógica linear e evolucionista à modernização e o capitalismo enquanto sistema de relações sociais, produção e economia. Esses pressupostos, impostos inicialmente na organização colonial da América, se caracterizavam como partes da missão civilizatória que levaria ao progresso e a melhores condições de existência social para a humanidade.

Nutrindo-se dos padrões da colonialidade do poder, do saber e do ser, os pressupostos trazidos pela concepção de progresso permaneceram universais até meados do século XX, quando suas promessas de alcance de melhores condições de vida entraram em desencanto, sendo, dessa conjuntura, que a concepção de progresso é ressignificada pelo discurso ocidental da chamada perspectiva de desenvolvimento (Escobar 2014). Desde seu início, a perspectiva de desenvolvimento se impôs reiterando e ampliando os pressupostos centrais da concepção de progresso e, ancorada em inúmeras políticas e estratégias desenvolvidas por políticos e especialistas ocidentais, se apresentou como uma possibilidade para superar problemas de desigualdade social, econômica e política, bem como a miséria e o desemprego presente em países como os da América Latina e nas demais regiões subdesenvolvidas. A partir de então, a perspectiva de desenvolvimento se estabeleceu de modo universal orientando os modos de produção, de economia e de existência social.

Entretanto, desde o final do século XX os efeitos desencadeados pelo processo de busca incessante pelo desenvolvimento, pautado em um viés de dominação e exploração da natureza como recurso básico para os processos de industrialização, se demonstram cada vez mais incertos e ameaçadores tanto para a existência social quanto ambiental. Diante dos riscos e ameaças cada vez mais evidentes, Gudynas (2016) e Acosta (2016) colocam a necessidade de pensarmos em “alternativas ao desenvolvimento” e não mais em “desenvolvimentos alternativos”. É, nessa lógica, que propomos nesse ensaio pensar em possibilidades outras à perspectiva de desenvolvimento. Para isso, consideramos como ponto de partida as perspectivas críticas e sensibilidades de mundo[1] (Mignolo 2017) potencializadas pela decolonialidade junto das contribuições críticas e práticas que emergem do Bem Viver como suporte para problematizar, tensionar e questionar as narrativas e padrões que sustentam os conceitos de progresso e desenvolvimento, subsidiando, sobretudo, o avanço em direção a possíveis giros decoloniais[2] (Maldonado-Torres 2007).

A decolonialidade é uma perspectiva crítica de pensamento que se desenvolve a partir de lugares e sujeitos outros subalternizados e marcados pela violência e dominação moderna/colonial. Seus alicerces encontram-se nas epistemologias do Sul (Sousa Santos 2009) e sua singularidade está em seu posicionamento como uma resposta crítica e necessária à modernidade/colonialidade, bem como a seus padrões de dominação modernos/coloniais. Na decolonialidade, autores como Acosta (2016), Quijano (2014) e Gudynas (2016), principalmente, têm assinalado o Bem Viver, enquanto um conceito que se encontra em construção, como uma oportunidade para se pensar e construir alternativas ao modelo universal de desenvolvimento. O Bem Viver emerge como um processo diverso que envolve um conjunto de princípios e ações proveniente de povos e grupos tradicionais, assim sua especificidade está em propor a construção de relações de produção, economia e existência social baseados na solidariedade, cooperação e coexistência tanto na relação sociedade e natureza quanto no âmbito das próprias relações comunitárias. Sobretudo, fornece possibilidades para pensar em horizontes outros que se desprendam da exploração e industrialização da natureza como recurso ao mercantilismo mundial, aspecto este imposto pela concepção de progresso e ressignificado pela perspectiva de desenvolvimento.

Sendo assim, esse ensaio se organiza em quatro seções. A primeira seção aborda uma perspectiva histórica da constituição moderna/colonial da concepção de progresso. A segunda seção se propõe a analisar o movimento histórico da perspectiva de desenvolvimento. A terceira seção busca refletir, a partir da decolonialidade e do Bem Viver, sobre possibilidades outras à perspectiva de desenvolvimento na América Latina. Por fim, são apresentadas as considerações finais desse ensaio.

 

Uma perspectiva histórica da constituição moderna/colonial da concepção de progresso

A concepção de progresso tem seu marco inicial a partir dos movimentos de constituição da modernidade/colonialidade. Alicerçada no privilégio da racionalidade eurocêntrica, a modernidade/colonialidade tem no processo de expansão mundial da civilização ocidental e conquista das Américas o seu marco fundacional, sendo o movimento determinante no qual a Europa inicia a universalização de uma concepção de progresso civilizatório da humanidade, baseado, fundamentalmente, na divisão centro/periferia, na busca incessante do progresso como uma lógica linear e evolucionista à modernização e, no capitalismo enquanto sistema de relações sociais, de produção e de economia. Em sua universalização, a América consistiu-se como o primeiro espaço/tempo no qual a Europa expandiu sua concepção de progresso entrelaçada a padrões de dominação modernos/coloniais. Nutrindo-se dos padrões da colonialidade do poder e suas inúmeras vertentes, os pressupostos trazidos pelo conceito de progresso prevaleceram universais até meados do século XX, quando então esta concepção entra em desencanto e é ressignificado pela perspectiva de desenvolvimento.

Ao compreender que o movimento histórico da concepção de progresso se inicia na modernidade/colonialidade, a retomada à sua noção torna-se fundamental para a uma sensibilidade ampliada a todo genocídio aqui praticado. Na interpretação hegemônica, Dussel (2005, 28) explica que a modernidade se caracteriza como “uma emancipação, uma ‘saída’ da imaturidade por um esforço da razão como processo crítico, que proporciona a humanidade um novo desenvolvimento do ser humano”, fato este que ocorreria na Europa durante o século XVIII. Este primeiro conceito que se prendeu universalizante de modernidade é na realidade eurocêntrico, provinciano e regional pois tem como ponto de partida fenômenos intra-europeus, entre os quais a Reforma, Ilustração e Revolução Francesa como basilares para a constituição da modernidade.

Entretanto, para Dussel (2005) a centralidade das Américas como primeiro espaço/tempo no qual a Europa se impõe mundialmente é determinante para a constituição da modernidade/colonialidade, assim, o autor propõe uma segunda interpretação desta que se opõe a interpretação hegemônica. Segundo Dussel (2005), é apenas com o avanço nas técnicas de navegação e o encobrimento da América Hispânica em 1492 que a Europa consegue se impor como o “centro” da história mundial, logo, tendo a América como a sua primeira “periferia” todo o planeta “se torna o ‘lugar’ de ‘uma só’ história mundial” (Dussel 2005, 28). Essa imposição é determinante para a constituição da modernidade/colonialidade, sendo, a partir de então, que os demais elementos e padrões característicos da modernidade/colonialidade vão se construindo. Assim, nessa segunda interpretação posta, a modernidade “nasce” quando a Europa consegue se impor sobre, dominar e controlar o “outro não europeu”, quando conseguiu definir-se pelo seu “ego” descobridor, ou seja, ao se impor como o “centro” da história mundial e definir as demais culturas como “periferias” necessária à sua própria autodefinição (Dussel 1993).

Nessa construção centro/periferia estabelecida a partir da conquista das Américas dois elementos são determinantes para a articulação dos sistemas de relação de poder estabelecido, a organização colonial do mundo e o mito da superioridade eurocêntrica. Segundo Lander (2005), a conquista das Américas é o determinante que conforma o início de imposição da modernidade/colonialidade, mas, também, do início da organização colonial do mundo necessária para manter os padrões de poder que subsidiavam o controle centro/periferia. Aliado a isso, a imposição da Europa como o centro da história mundial resgatou para si o mito da superioridade eurocêntrica, autodesignando, assim, a civilização europeia e sua racionalidade como a superior, avançada e desenvolvida. Conforme Acosta (2016), a chegada dos conquistadores no que se passou a chamar de América foi elementar para impor a superioridade do europeu, enquanto ser “civilizado”, e a inferioridade do outro não europeu, o “primitivo”. Tal fato, além de conformar e justificar a necessidade de controle do outro não europeu, isto é, das demais culturas sob uma relação de dominação centro/periferia, foi determinante também para emergir a colonialidade do poder e suas vertentes, como a colonialidade do saber e do ser.

Neste ponto, há de se destacar que o processo de tentativa universalizante da modernidade/colonialidade sobre as demais regiões e culturas se deu em conjunto com uma outra característica oculta da modernidade à colonialidade. Segundo Quijano (2005), a colonialidade é a face oculta da modernidade, é seu lado obscuro e violento que se revela desde a organização moderna/colonial do mundo, pois, enquanto a modernidade em sua forma “civilizatória” se propôs na missão de “auxiliar” o outro primitivo, irracional e pré-moderno ao alcance do progresso civilizatório e humano, a colonialidade se propagou como o padrão de poder, dominação e violência necessário para tal. Em suas vertentes, a colonialidade do poder é o padrão dominante que permite controlar as relações sociais, o trabalho, a produção, economia e capital; a colonialidade do saber é o padrão que opera nos níveis epistêmico, científico e filosóficos impondo a superioridade eurocêntrica, seja em termos de racionalidade ou modo de pensar e produzir conhecimento; e, a colonialidade do ser, como o padrão que permite identificar, diferenciar e categorizar o ser, enquanto sujeito humanos e não humanos. Assim, como descreve Mignolo (2017, 13), a “colonialidade equivale a uma ‘matriz ou padrão colonial de poder’, o qual ou a qual é um complexo de relações que se esconde detrás da retórica da modernidade (o relato da salvação, progresso e felicidade) que justifica a violência da colonialidade”, logo, modernidade e colonialidade podem ser interpretadas como duas faces de uma mesma moeda, ou seja, modernidade/colonialidade.

Ao mesmo tempo, compreender que a imposição da civilização europeia se deu baseada em um mito da superioridade permite avançar em direção a um eixo fundamental do processo de organização moderna/colonial do mundo estabelecida a partir do século XV, a ideia da raça. Segundo Quijano (2005), a ideia da raça, que fazia referência a supostas diferenças biológicas entre os seres humanos, foi basilar para a formação de novas identidades sociais, tais como europeu, branco, negro, índio, mestiço, entre outras. Essas identidades sociais/raciais configuradas, desde então, foram estabelecidas como o instrumento básico de classificação social da humanidade e, também, como instrumento de classificação da divisão hierárquica do trabalho. Sobretudo, a ideia de raça, no processo de conquista e dominação moderna/colonial, foi o elemento indispensável para justificar a dominação e violência necessário ao processo de conquista extrativistas, logo, para justificar a imposição centro/periferia estabelecida entre a Europa e as Américas.

Integrado a ideia de raça, um segundo eixo fundamental ao processo de organização moderna/colonial foi a articulação da sociedade mundial sobre os pressupostos do mercado e do capital. De acordo com Quijano (2005, 118), a partir do processo de constituição das Américas “todas as formas de controle e de exploração do trabalho e de controle da produção-apropriação-distribuição de produtos foram articuladas em torno da relação capital-salário […] e do mercado mundial”. Isso implicou a configuração de novas formas de dominação e controle do trabalho baseadas na exploração do trabalho humano, percorrendo diferentes formas de trabalho baseadas na escravidão, servidão, reciprocidade, salário e/ou pequena produção mercantil que se estruturaram com o viés de produzir mercadorias, estas configuradas em um processo inicial de exploração da natureza para fins comerciais para abastecer um mercado mundial que entrava em constituição. Tratava-se, portanto, de criar novas funções sociais baseadas em identidades sociais e raciais necessárias para sustentar a expansão e consolidação de uma estrutura mercantilista mundial que entrava em ascensão.

Nesse percurso de expansão da estrutura mercantilista mundial, se consolida uma nova estrutura de relações de produção denominada de capitalismo mundial. O capitalismo se configurou como um sistema de relações de produção, isto é, uma engrenagem que controlava todas as formas de trabalho e de produção e que, ao se impor mundialmente como alicerce do progresso e da modernização, permitiu organizar a economia mundial e os mercados sobre o seu domínio total (Quijano 2005). Entretanto, em seus pressupostos centrais, Porto-Gonçalves (2006) explica que o capitalismo se desenvolveu impulsionando a dominação da natureza e do trabalho humano como recursos indispensáveis e, assim, impôs a extração desenfreada de recursos da natureza e a exploração intensiva do próprio trabalho humano como nunca observado até então. Portanto, o capitalismo se constituiu como um padrão que, baseado na extração desenfreada de matéria-prima da natureza e da utilização intensiva do trabalho humano, permitiria a produção de mercadorias, a acumulação de capital e de riqueza, logo, foi concebido como parte da missão civilizatória que proporcionaria o progresso e a modernização da humanidade.

Na prática, essas configurações e relações impostas inicialmente sobre as Américas e, na sequência, sobre todos os demais continentes, configuraram-se como um padrão de dominação moderna/colonial do ocidente sobre o não ocidente. A dominação estabelecida naquele momento se justificava como uma missão civilizatória necessária ao direcionamento das civilizações não ocidentais, ditas pré-modernas e atrasadas, no percurso natural do progresso da humanidade e, dessa forma, no alcance da chamada modernização. Segundo Dussel (2005) e Acosta (2016), pela autodefinição da civilização europeia como a mais superior e desenvolvida de todas as existentes, a Europa se colocava no direito e obrigação de “auxiliar” as demais civilizações não ocidentais a alcançar o chamado progresso e modernização para assim poderem desfrutar das mesmas condições de vida daquela. Ademais, o que se colocava naquele momento era que o alcance do progresso e modernização possibilitaria melhores condições de vida através da acumulação ilimitada de bens, de materiais e de riquezas, para tanto, os caminhos a serem percorridos para o alcance de tal progresso seriam aqueles já passados e definidos pela civilização ocidental, o que, dessa forma, justificava a dominação do ocidente sobre o não ocidente.

É necessário, então, compreender que a concepção de progresso da humanidade se estruturou a partir de alguns pressupostos centrais, que envolveram: a divisão das relações centro e periferia, em outras palavras, da relação de dominação moderna/colonial da Europa sobre as Américas; a busca incessante do progresso e modernização mundial como caminho de superação da condição de atraso, pré-moderno e irracionalidade; e a imposição do capitalismo como sistema de produção e economia baseado na dominação e exploração da natureza e do trabalho humano. Esses pressupostos centrais fundamentaram a concepção de progresso e foram universalizados como partes da missão civilizatória em direção ao alcance da acumulação ilimitada de bens, materiais e riquezas, desse modo como o caminho ao alcance das condições de vida da civilização ocidental, do bem-estar social e da melhoria da existência social. Se tratava, portanto, de uma lógica progressista nutrida nos ideais de uma racionalidade capitalista moderna/colonial que justificava a dominação e violência necessária ao progresso civilizatório. Soma-se a isso a marginalização e deslegitimação de saberes e racionalidades do outro não europeu, isto é, dos povos e grupos tradicionais considerados primitivos, pré-modernos e irracionais, ou mesmo não humanos, como necessário e parte da missão civilizatória.

Apoiada na própria ambiguidade fundacional dos modelos de Estados-nação da América Latina, que tem nos padrões da colonialidade do poder e não unicamente europeia a sua sustentação, a concepção de progresso permaneceu universal até meados do século XX, quando então entrou em desencanto. Na América Latina, os Estados-nação (Quijano 2005) se formaram entrelaçados aos pressupostos de busca de modernização e de expansão do capitalismo, sobretudo, se estruturam subalternizados pela lógica de sistema-mundo moderno/colonial (Acosta 2016), assim reproduzem e mantêm desde suas formações a visão eurocêntrica do progresso e da lógica de melhoria das condições de existência social baseada na industrialização da natureza, na acumulação ilimitada de bens, materiais e riquezas. Contudo, em meados do século XX o conceito de progresso entrou em uma conjuntura de desencanto, visto que suas promessas de melhores condições de existência social ao serem alcançados certos patamares de industrialização e produtividade, cada vez mais se tornavam incapazes de se cumprir, assim como de cumprir as promessas da modernidade. Dessa conjuntura, haveria, então, a necessidade de se configurar outros modos de manter o controle moderno/colonial do ocidente sobre o não ocidente, sendo, então, que ganha força nas agendas principalmente de organismos internacionais, em meados do século XX, o discurso ocidental do chamado desenvolvimento, discutido na seção a seguir.

 

A perspectiva de desenvolvimento: uma análise do movimento histórico

A perspectiva de desenvolvimento se origina no ocidente global em meados do século XX e se universaliza como um caminho a ser seguido por todos os países para superação de problemas de desigualdade social, econômica e política. Segundo Escobar (2014), o campo de pensamento e o discurso do chamado desenvolvimento emerge após o final da Segunda Guerra Mundial quando políticos e especialistas ocidentais começaram a ver com preocupação alguns das condições e problemas da América Latina, África e Asia, entre os quais a pobreza, miséria e o atraso econômico. Com receio que tais condições se espalhassem para o ocidente global, políticos e especialistas ocidentais iniciaram a elaboração de planos e políticas para a solução de tais condições. Desse contexto, o crescimento econômico e o desenvolvimento se apresentaram como a solução universal e necessária para a pobreza característica dos países subdesenvolvidos. Desde então, as discussões e debates sobre o termo desenvolvimento começam a surgir e ganhar espaço mundialmente, por um lado, explorando as razões que levava os países a serem subdesenvolvidos e, por outro, impondo a superação do subdesenvolvimento, através de políticas, planos e estratégias, como o desafio a ser enfrentado.

No cenário geopolítico mundial, as primeiras discussões acerca do desenvolvimento que ganharam espaço remontam ao discurso de pose do presidente dos Estados Unidos (EUA) Harry Truman, em 1949. Em seu discurso inicial de governo, o presidente utilizou pela primeira vez o termo nação desenvolvida e subdesenvolvida e estabeleceu a missão inicial na qual colocaria os EUA juntamente com várias organizações mundiais no caminho de tentar resolver os problemas dos países chamados de subdesenvolvidos, logo, colocar as áreas subdesenvolvidas do planeta no caminho do desenvolvimento. Nessa tentativa, dois terços da população mundial foram classificadas como subdesenvolvidas, entre as quais as latino-americanas, o que justificaria a imposição por parte dos países desenvolvidos de políticas e estratégias que permitissem desenvolver os chamados áreas subdesenvolvidos do planeta. Sobretudo, o que se propunha era reestruturar os países subdesenvolvidos e colocá-los no caminho do progresso econômico, da prosperidade material e da acumulação de capital e riqueza (Escobar 2014).

Contudo, o que se observou foi que as políticas e estratégias de desenvolvimento criadas nesse período reiteraram e ampliaram os pressupostos centrais presentes na concepção de progresso. Dessa maneira, novamente se observava a divisão da relação centro e periferia originada pelos ideais de progresso, agora com a denominação de países desenvolvidos, ditos de Primeiro Mundo, e países subdesenvolvidos, ditos de Terceiro Mundo. Também, observava-se a busca pelo progresso e modernização mundial agora ressignificada pelo alcance das condições do chamado desenvolvimento como parte da missão civilizatória a ser seguida pelos países subdesenvolvidos. Por fim, novamente se intensificava e ampliava a dimensão do capitalismo como sistema de produção e economia necessário para a manutenção do mercantilismo mundial, impulsionando, sobretudo, seu viés de dominação e exploração intensiva da natureza e do trabalho humano para expandir a industrialização, produtividade, empregos, rendas e consumismo. Tratou-se, portanto, da ressignificação do conceito de progresso e da retomada da racionalidade capitalista moderna/colonial, ambos alicerçados nos padrões da modernidade/colonialidade.

Não obstante, a perspectiva de desenvolvimento que deu origem as políticas e estratégicas impostas a partir de meados do século XX sustentava a ideia de que o desenvolvimento seria um processo composto por estágios e como um processo de evolucionismo. Segundo Stavenhagen (1985), predominou naquele período uma concepção evolucionista do desenvolvimento, na qual o crescimento, que proporcionaria o desenvolvimento, seria alcançado através de estágios pelos quais os países deveriam necessariamente passar. Dessa forma, a superação da classificação de subdesenvolvido e a possibilidade de alcance do desenvolvimento e pertencimento ao Primeiro Mundo seriam resultados da adoção de políticas e estratégias de mudança social, econômica e industrial elaboradas, sobretudo, pelos países de Primeiro Mundo, ou seja, aqueles que já teriam passado por todos os estágios do evolucionismo e alcançado o desenvolvimento. Desta maneira, da mesma forma como a ideia de progresso demandava o auxílio da civilização ocidental para o avanço civilizacional, com a perspectiva de desenvolvimento haveria de se dar prioridade as ideias, políticas e estratégias construídas a partir da racionalidade ocidental, dado que o ideário agora universal apresentava o desenvolvimento como o curso normal da evolução e progresso da humanidade, no qual, novamente, o ocidente global se encontrava a frente.

Mesmo que disfarçada pelos interesses e expectativas mais amplas do ocidente global, a perspectiva de desenvolvimento logo se tornou uma proposta com grande poder de influência global. Ao propor a melhoria das condições de existência social dos países subdesenvolvidos através da superação de problemas de desigualdade social, econômica e política, principalmente da miséria, pobreza e desemprego, Quijano (2000) coloca que os discursos e promessas de desenvolvimento logo se tornaram um propósito a ser seguido pelos países subdesenvolvidos, sendo que, após a Segunda Guerra Mundial, já influenciavam diversos setores da sociedade e se tornaram uma das maiores imposições universais propostas ao longo do século XX. No caso da América Latina, é fundamental levar em conta que essa universalização encontra sustentação na própria dependência dos Estados-nação latino-americanos em relação aos mercados, poder econômico e político dos países do ocidente global (Quijano 2005), de toda forma, no próprio caráter da matriz de poder reproduzida pela colonialidade.

Isso permite, então, compreender que as políticas e estratégias de desenvolvimento impostas aos países subdesenvolvidos se configuraram conectadas e, ao mesmo tempo reproduzindo, os padrões da colonialidade. Segundo Porto-Gonçalves (2006), as propostas voltadas a desenvolver o subdesenvolvido são narrativas e discursos utilizados para manter um padrão de dominação e controle do ocidente sobre o não ocidente, assim como observado anteriormente na concepção de progresso em sua relação centro e periferia. No âmbito da América Latina, o fim das organizações coloniais enquanto estrutura política aliado aos processos de independência de países anteriormente colonizados impactaram na diminuição do poder de controle dos países ocidentais sobre os territórios nacionais, logo, a construção da perspectiva de desenvolvimento se tornou um discurso estratégico para ampliar a possibilidade de intervenção, controle e dominação dos países ocidentais, instituições e organismos hegemônicos sobre os países latino-americanos, renovando, assim, os padrões da colonialidade do poder. Logo, significa dizer que “en América Latina y el Caribe la colonialidad sobrevive al colonialismo por medio de las ideas de desarrollo eurocentristas, las cuales ocupan las mentes y los corazones de las élites criollas, blancas o mestizas, nacidas en América” (Porto-Gonçalves 2006, 20).

É, nessa perspectiva, que Radomsky (2018, 71), ao estabelecer uma ligação crítica entre a colonialidade e o desenvolvimento, aponta a existência de uma trama “em que a superação do subdesenvolvimento não é atingida nunca e, muitas vezes, torna-se motivo para manutenção de relações supostamente proveitosas (ajudar os outros a se desenvolverem) e concretamente problemáticas”. Por isso, é possível considerar que as iniciativas, políticas e estratégias desenvolvidas em nome dos povos subdesenvolvidos, inferiorizados, atrasados, etc., podem consistir em uma reprodução de padrões de poder, os quais utilizam da necessidade do desenvolvimento como uma forma de manter a dependência entre quem desenvolve políticas e medidas e quem é o beneficiário final delas, logo, as iniciativas em prol do desenvolvimento podem ser entendidas como prerrogativa para a manutenção da dominação moderna/colonial (Radomsky 2018). Esse entendimento, para Macías e González (2020), permite compreender que as ideias de desenvolvimento se demonstram como uma ferramenta discursiva que origina de seu discurso relações e padrões de poder útil aos interesses dos países eurocêntricos e instituições internacionais.

De fato, Escobar (2014) coloca que, em algumas ocasiões, as políticas e estratégias de desenvolvimento, elaboradas através de instituições e organizações hegemônicas mundiais, não tem sido apenas um esforço inocente para a melhoria da pobreza nos países subdesenvolvidos, mas sim uma forma de permitir a administração, controle e exploração do ocidente sobre os países e as populações não ocidentais. Nesse ponto, cabe destacar a contradição observada na perspectiva de desenvolvimento por Manzanelli (2021) quando coloca que o desenvolvimento, por um lado, se apresenta discursivamente com o objetivo de ampliar a qualidade de vida, inclusão e crescimento equitativo das regiões subalternizadas, mas, por outro lado, fomenta a ampliação industrial do extrativismo e uso intensivo de recursos naturais face a interesses geopolíticos mais amplos, o que resulta em conflitos territoriais e ampliação de impactos na natureza e nas condições de existência social das regiões subdesenvolvidas. Portanto, pode-se considerar que “as intervenções para o desenvolvimento dos países considerados subdesenvolvidos foram uma atualização dos processos coloniais, embora com características próprias e formatos precisos” para manter a reprodução da dominação e da exploração do ocidente sobre o não ocidente (Radomsky 2018, 60).

No momento presente, as perspectivas críticas acerca da ideia do desenvolvimento têm auxiliado a avançar na compreensão dos limites que se apresentam, cada vez mais, no interior dos modelos universais de desenvolvimento. Por um lado, autores que contribuem no debate crítico do desenvolvimento a partir do Sul Global (Acosta 2016; Gudynas 2011; Escobar 2014; Quijano 2014) e, por outro lado, autores que contribuem neste debate visto a partir do Norte Global (Beck 2011; Giddens 1991) apontam que as políticas e estratégias de desenvolvimento voltadas à produção industrial demonstram um potencial destrutivo para a natureza, como também, impõe aos seres humanos condições degradantes de trabalho e exploração. Mesmo assim, a perspectiva de desenvolvimento se mantém universal ampliando um sistema de produção, economia e existência social baseado no uso desenfreado dos recursos da natureza como pré-requisito da industrialização e participação das áreas subdesenvolvidas nos mercados globais.

Entretanto, os efeitos desencadeados pelo processo de busca do desenvolvimento pautado na dominação e exploração da natureza e do trabalho humano se demonstram cada vez mais incertos e ameaçadores. Segundo Acosta (2016, 51) “aceitamos a devastação ambiental e social em troca de alcançar o ‘desenvolvimento’” e, em vista das consequências, riscos e ameaças que se expressam cada vez mais no período contemporâneo, as políticas e estratégias de desenvolvimento impostas de modo universal se demonstram prejudiciais e insustentáveis. Não obstante, Acosta (2016, 59) ainda coloca que “a promessa feita há mais de cinco séculos em nome do progresso – e ‘reciclada’ há mais de seis décadas em nome do desenvolvimento – não se cumpriu. E não se cumprirá”. Isto é, ao invés do alcance de melhores condições de existência social, conforme prometido pelos políticos e especialistas ocidentais desde a constituição da ideia de desenvolvimento, o que se tem observado é justamente o contrário, cada vez mais amplia-se a miséria, pobreza e exploração humana, como também surgem inúmeros riscos e ameaças incalculáveis para a existência humana e para a biodiversidade ambiental, envolvendo desde impactos na saúde populacional até a devastação e destruição de ambientes naturais, contaminação e poluição da água, ar, solo, alimentos, etc.

É indispensável destacar que, no momento presente, a lógica de desenvolvimento nutrida pela racionalidade capitalista moderna/colonial se depara, cada vez mais, com inúmeros limites, crises e contradições em seu interior, coincidindo e agravando-se, ainda mais, com a própria crise da modernidade/colonialidade. A lógica de desenvolvimento, que tem no crescimento econômico insustentável o seu paradigma de modernidade/colonialidade, se demonstra amplamente devastadora tanto pela apropriação ilimitada da natureza quanto pelos impactos ambientais e sociais que emergem constantemente. Aliado a isso, o progresso da ciência e das técnicas que aparentemente abririam um campo infinito de possibilidades se demonstram limitados e incapazes de responder as próprias demandas ambientais e sociais emergentes no momento. Logo, trata-se de crises e incertezas que colocam em causa o próprio paradigma da modernidade/colonialidade, visto que seus padrões de dominação e controle já não conseguem mais responder as suas próprias consequências desencadeadas. Nas palavras de Beck (2011, 02), “passamos a viver em meio aos efeitos colaterais de uma civilização - a modernidade capitalista industrial - que regurgitou e saiu dos trilhos, voltando-se contra si própria e escapando dos controles que visam ordená-la”.

Mesmo em crise, na América Latina o modelo universal de desenvolvimento se mantém ativo nos modos de produção e economia, ao mesmo tempo em que impulsiona, entre outros âmbitos, o próprio extrativismo, seja nos processos de mineração ou agroindustrial, resultando em inúmeros impactos ambientais, como também em impactos crescentes na ameaça de vida de grupos indígenas e comunidades tradicionais (Gudynas 2016). Conforme Gudynas (2016, 175), “apesar das restrições e dos alertas, os países sul-americanos seguem aprofundando um estilo de desenvolvimento baseado em uma intensa apropriação de recursos naturais, para posteriormente derramá-los nos mercados globais”. Dessa maneira, a dependência da extração e exportação de recursos naturais e matérias-primas persiste como a lógica de desenvolvimento adotada na América Latina, fato este que evidência a insustentabilidade dos modos de produção e economia da região.

Nessa perspectiva, há de se considerar a necessidade de repensar as narrativas e padrões impostos desde as concepções de progresso e ressignificadas pela perspectiva de desenvolvimento buscando, sobretudo, o avanço em direção ao seu desprendimento. Segundo Gudynas (2011) e Acosta (2016), é necessário buscar alternativas ao desenvolvimento e, nesse percurso, é necessário não mais pensar em desenvolvimentos alternativos pois, estes, se mantém dentro da mesma lógica do progresso que tem na apropriação da natureza e do trabalho humano sua estruturação, sendo que, os sinônimos criados ao desenvolvimento sobre um viés crítico, como desenvolvimento sustentável, ambiental, alternativo, entre outros, tem a sua importância, porém, no momento atual, se fazem necessárias mudanças mais profundas. Seguindo a lógica de pensar em alternativas ao desenvolvimento e não mais em desenvolvimentos alternativos, é que propomos nesse ensaio a ideia de pensar em possibilidades outras à perspectiva de desenvolvimento. Para tanto, destacamos as concepções de pensamento trazidas pela decolonialidade como ponto de partida, assim como algumas das contribuições da perspectiva do Bem Viver, em meio a outras perspectivas possíveis de existir, em diálogo com a noção de possibilidades outras. Problematizar algumas destas questões é a proposta da próxima seção.

           

Possibilidades outras à perspectiva de desenvolvimento na América Latina

A decolonialidade é uma perspectiva crítica de pensamento que se desenvolve a partir de lugares e sujeitos outros subalternizados e marcados pela violência e dominação moderna/colonial. Seus alicerces encontram-se nas epistemologias do Sul, enquanto um conjunto de intervenções epistêmicas e críticas que buscam reposicionar e legitimar racionalidades, modos de pensar e produzir conhecimento de sujeitos e lugares marginalizados e deslegitimados pelas ciências ocidentais (Sousa Santos 2009), e sua singularidade está em posicionar-se como resposta crítica e necessária à modernidade/colonialidade, a seus padrões de dominação, violência e controle do poder, do saber e do ser. Como ponto de partida fornece elementos críticos e sensibilidades de mundo (Mignolo 2017) que abrem possibilidades ao desprendimento do imaginário, da racionalidade única e das narrativas eurocêntricas dominantes. Consiste, portanto, como uma opção que não busca se impor sobre as demais como um novo universal, mas, que trata de ampliar um campo de possibilidades no qual diferentes experiências e modos de pensar, de saber e de ser possam coexistir e dialogar entre si (Porto-Gonçalves 2006).

Em vista do objetivo proposto nesse ensaio, de explorar as concepções universais de progresso e desenvolvimento a partir dos estudos decoloniais como ponto de partida para pensar em possibilidades outras à América Latina, bem como apresentar algumas das contribuições do Bem Viver em diálogo a noção de possibilidades outras, consideramos que as perspectivas críticas e as sensibilidades de mundo potencializadas pela decolonialidade, enquanto expressão epistêmica, aliado aos princípios do Bem Viver, fornecem suporte para problematizar, tensionar e questionar muitas das narrativas e padrões que sustentam os conceitos de progresso e desenvolvimento, sobretudo, subsidiar o avanço em direção a possíveis giros decoloniais (Maldonado-Torres 2007). Entendemos ser este o ponto de interseção entre a decolonialidade e as perspectivas de progresso e desenvolvimento, portanto, a possibilidade de problematizar, tensionar e questionar criticamente tais conceitos, mas, também, de pensar e apontar possibilidades outras frente àqueles, como, neste caso, o Bem Viver. Logo, como descreve Mignolo (2017, 13), entendemos que a “decolonialidade é a resposta necessária tanto às falácias e ficções das promessas de progresso e desenvolvimento que a modernidade contempla, como à violência da colonialidade”.

Nessa perspectiva, a emergência do Bem Viver, enquanto conceito em aberto e que se encontra em construção, tem sido assinalada por autores como Acosta (2016), Quijano (2014) e Gudynas (2016), principalmente, como uma oportunidade para se pensar e construir alternativas às estratégias e políticas de desenvolvimento, possibilitando o avanço em direção a horizontes outros de produção, economia e existência social. Nesse âmbito, Gudynas (2016) afirma que o conjunto de perspectivas que pretendem se colocar como alternativas ao desenvolvimento podem encontrar sustentação no campo de pensamento definido atualmente como Bem Viver, pois, nas palavras do autor, o Bem Viver se caracteriza, “de forma muito breve e esquemática, pela crítica à ideologia do progresso e ao crescimento econômico – sua expressão no desenvolvimento contemporâneo-, à intensa apropriação da natureza e às suas mediações materiais” (Gudynas 2016, 182).

Acosta (2016) considera a concepção de Bem Viver como um processo diverso que envolve um conjunto de princípios e ações proveniente de povos e grupos tradicionais que vivem em harmonia e solidariedade com a natureza. O Bem Viver se introduz com uma visão diversificada das relações estabelecidas entre sociedade e natureza, enriquecendo as críticas quanto aos limites e erros dos modelos de desenvolvimento universais e seus inúmeros sinônimos ao propor, principalmente, a ideia de que “o centro das atenções não devem ser apenas o ser humano, mas o ser humano vivendo em comunidade e harmonia com a Natureza” (Acosta 2016, 27). O Bem Viver propõe a construção de relações de produção, economia e existência social baseados na solidariedade e cooperação, tanto na relação sociedade e natureza quanto no âmbito das próprias relações comunitárias, superando o rompimento sociedade/natureza imposto pela concepção de progresso e ressignificada pelo desenvolvimento, assim como enfatizando a construção de modos de vida que se desprendam da acumulação de capital. Assim, considerando o contexto em que cada vez mais se amplia os contrastes entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, bem como sujeitos ricos e pobres, Acosta (2016, 24-5) descreve a emergência e potencialidade do Bem Viver da seguinte forma:

A visão de mundo dos marginalizados pela história, em especial dos povos e nacionalidades indígenas, é oportunidade para construir outros tipos de sociedades, sustentadas sobre uma convivência harmoniosa entre os seres humanos consigo mesmos e com a Natureza, a partir do reconhecimento dos diversos valores culturais existentes no planeta. Ou seja, trata-se de bem conviver em comunidade e na Natureza. (Acosta 2016, 24-25)

Considerando que o Bem Viver emerge a partir de movimentos de (re)existência social de indígenas latino-americanos, podemos destacar que é a sua origem, em um contexto não ocidental marcado pela dominação e violência dos padrões da colonialidade do poder, do saber e do ser, que dá significado as suas críticas, oposições e resistências frente aos padrões impostos a partir da modernidade/colonialidade. É, pela marca da diferença colonial, que o Bem Viver emerge trazendo como princípios e ações basilares a proposta de construção de uma sociedade democrática, solidária e igualitária, na qual a dominação, exploração e controle de alguns sobre outros não encontra lugar (Quijano 2014). Trata-se, portanto, de uma experiência social diversa que resiste e se desprende da modernidade/colonialidade. Sobretudo, o giro decolonial trazido pelo Bem Viver se dá pelo reconhecimento da qualidade de vida como uma dimensão que transcende questões materiais e de poder, oportunizando pensar em horizontes de existência comunitária que se estendem do ser humano para a natureza em um sentido de respeito, harmonia e coexistência.

Há de se considerar, então, que o Bem Viver se revela como um projeto civilizatório que busca desprender-se e desarticular os eixos fundamentais do processo de organização moderno/colonial do mundo, entre os quais, pontua-se os pressupostos do mercado e do capitalismo. Retomando as colocações de Quijano (2005), a racionalidade capitalista moderna/colonial imposta desde a organização colonial do mundo, baseado em uma perspectiva eurocêntrica, configurou o capitalismo como a engrenagem de controle de todas as formas de trabalho e produção, permitindo seu domínio na economia e no mercado mundial. Logo, para o Bem Viver desprender-se de tal racionalidade é indispensável para superar o rompimento da relação sociedade e natureza por ela estabelecida e, assim, reestabelecer relações harmônicas entre sociedade e natureza, desprendendo-se do viés de exploração intensiva da natureza como recurso inesgotável a serviço do bem-estar social. Portanto, “o Bem Viver propõe uma cosmovisão diferente da ocidental, posto que surge de raízes comunitárias não capitalistas. Rompe igualmente com as lógicas antropocêntricas do capitalismo enquanto civilização dominante” (Acosta 2016, 72).

Por outro lado, as concepções do Bem Viver auxiliam a desprender-se e desconstruir, também, um segundo eixo fundamental ao processo de organização moderna/colonial do mundo, a ideia da raça. Segundo Quijano (2005), as supostas diferenças biológicas foram cruciais para a formação de identidades raciais e sociais de classificação básica da humanidade e assim organizar uma divisão hierárquica do trabalho privilegiando o controle de uns sobre outros, como também justificando a dominação centro/periferia. Para o Bem Viver, a construção de uma sociedade democrática, igualitária e solidária requer como ponto de partida a desconstrução de padrões de poder que impõem dominação e controle social, ou seja, os padrões específicos da colonialidade do poder, saber e ser, principalmente porque as relações sociais oportunizadas pelo Bem Viver não podem se reduzir ao controle autoritário, aos bens e serviços mercantilizáveis, nem às racionalidades que buscam a manipulação e dominação (Gudynas 2011).

Ao mesmo tempo, ao emergir no contexto da América Latina, o Bem Viver se manifesta como uma possibilidade endógena para avançarmos na construção de outros modos de produção, de economia e de existência social para a região, como também para o contexto mundial. Na América Latina, a exploração desenfreada da natureza e do trabalho humano junto da incessante busca de produção de mercadorias a partir de recursos materiais e matérias-primas, se mantém dominante como sinônimo de alcance de melhores condições de vida, da superação da pobreza, do desemprego e da desigualdade social. Tal narrativa parece se naturalizar e se amplia ainda mais com os movimentos de globalização hegemônica, neoliberalismo, os discursos e intervenções de organismos e instituições internacionais com poder de influência, assim como, pela transferência e diminuição do papel do Estado em suas funções de regulação da vida econômica e social para o controle de organizações empresarias (Santos 2001). Tudo isso impacta na ampliação da miséria, desemprego e problemas sociais que se agravam sem precedentes, demonstrando a insustentabilidade desse modo de produção, economia e existência social. É, nesse contexto, que defende-se as contribuições do Bem Viver como um possível caminho para desprender-se de tais padrões modernos/coloniais e almejar outros horizontes possíveis, pois, como menciona Acosta (2016), mais do que nunca é necessário a construção de modos de vida que se pautem nos direitos da natureza e dos seres humanos, não mais na acumulação única de capital e na exploração da natureza a favor da sociedade.

Porém, para o avanço a outros horizontes possíveis ressalta-se a necessidade de superação e desprendimento dos conceitos universais de progresso e desenvolvimento que se colocam como inevitáveis e únicos. As concepções de progresso da humanidade impostas há mais de 500 anos e, mais recentemente, ressignificadas pelo termo desenvolvimento junto de seus inúmeros sinônimos que, disfarçados de alternativos e sustentáveis, reproduzem os mesmos padrões, demonstram cada vez mais a insustentabilidade dos horizontes futuros pautados na dicotomia sociedade/natureza. Mas, para além da insustentabilidade, há de se considerar que o modo de produção, economia e existência social atual não dá mais conta de responder as inúmeras crises e incertezas com que se deparam, sendo urgente a adoção de medidas para evitar o que Gudynas (2011) coloca como o acirramento dos impactos ambientais e sociais, sobretudo, ao que Acosta (2016) menciona como um possível colapso civilizatório e ambiental frente ao produtivismo e consumismo desenfreado.

Contudo, é preciso destacar, também, que o Bem Viver não pretende e nem deve ser visto como uma nova perspectiva que pretende se universalizar ou impor mundialmente uma cosmovisão de povos e grupos tradicionais frente as incertezas dos conceitos universais de progresso e desenvolvimento. A proposta principal de assinalar contribuições do Bem Viver em diálogo a noção de possibilidades outras se dá, em última análise, no sentido de apontar elementos e contribuições que emanam de racionalidades outras até então marginalizadas e deslegitimadas pelo privilégio único das perspectivas eurocêntricas. Isto significa, reposicionar e ampliar a possibilidade de incorporar e compartilhar saberes e experiências advindas de racionalidades múltiplas e pluriversas, tanto em termos críticos quanto práticos, para subsidiar a construção de horizontes dialógicos frente a unicidade imposta pela racionalidade capitalista moderna/colonial que sustenta os modelos universais de progresso e desenvolvimento. Sobretudo, porque a pluralidade cultural defendida pelo Bem Viver traz para si uma orientação voltada a interação e diálogo entre diferentes saberes e racionalidades (Gudynas 2011).

Ampliando essa questão, Acosta (2016, 240) coloca que “o Bem Viver aceita e apoia maneiras distintas de viver, valorizando a diversidade cultural, a interculturalidade, a plurinacionalidade e o pluralismo político. Diversidade que não justifica nem tolera a destruição da Natureza, tampouco a exploração de seres humanos”. Dessa maneira, o Bem Viver amplia possibilidades de interação, de diálogos de saberes e racionalidades avançando contra o desperdício de experiências (Sousa Santos 2011), pois é necessário compreender que muitas das respostas aos problemas vivenciados atualmente poderiam ser encontradas em experiências e racionalidades outras marginalizadas, como também, ressalta-se, muitos dos problemas agora vivenciados decorrem da própria imposição da racionalidade eurocêntrica e suas experiências sobre todas as demais.

Em última análise, pensar o Bem Viver como uma possibilidade outra é um processo que demanda e envolve inúmeras ações e medidas. Há de se considerar o papel do Estado como um dos campos centrais de ação no qual poderia ser assumido a construção de uma sociedade democrática, solidária e igualitária como prioridade (Acosta 2016). Entretanto, ao observar o caso da América Latina percebe-se que a lógica de formação dos Estados-nação, de modernização e desenvolvimento não se deu de modo a romper com as estruturas de dominação e exploração do ocidente sobre o não ocidente ou superar o capitalismo, mas, sim, conservando e reproduzindo tais estruturas (Quijano 2005), assim como aliado a uma busca incessante pela superação do atraso, do pré-modernismo e irracionalidade. Essa lógica histórica demonstra um papel singular de dependência latino-americana, principalmente no exercício do papel do Estado em termos de controle da política e economia, o que resulta em maiores resistências à mudanças mais amplas. Logo, o desejo de mudança e transição à horizontes outros envolve transformações profundas nos próprios valores históricos e cognitivos da sociedade, pois, ao se estabelecer sobre uma base democrática e comunitária, o reposicionamento dos princípios trazidos pelo Bem Viver devem se apoiar em discussões e aprofundamentos analíticos que demandam tempo e, sobretudo, participação social. Trata-se, portanto, de uma transformação e reestruturação profunda daquilo que se define como produção, economia e existência social imposto desde a modernidade/colonialidade.

Por fim, ao encontro das problematizações e reflexões aqui propostas acerca da decolonialidade, Bem Viver, progresso e desenvolvimento, avançamos na construção de um quadro síntese expressando, por um lado, os padrões modernos/coloniais presentes nas concepções de progresso e desenvolvimento e, por outro lado, as possibilidades outras que emergem com o Bem Viver.

 


Quadro 1 – Síntese de tensionamento entre narrativas de progresso e desenvolvimento, bem como possibilidades outras que emergem no Bem Viver

Narrativas e padrões de progresso e desenvolvimento

Possibilidades outras que emergem no Bem Viver

Progresso e desenvolvimento como direção única; processos lineares e evolucionistas à modernização da humanidade

Reconhecimento e valorização de experiências e modos de existência que se desprendem da lógica linear e evolucionistas do progresso e desenvolvimento

Rompimento e dicotomia na relação sociedade/natureza

Coexistência na relação sociedade/natureza

Dominação e extrativismo tanto da natureza e como do humano

Direitos da natureza e direitos dos seres humanos

Produção, economia e existência social baseadas na industrialização, acumulação material, produtividade e consumo individual

Produção, economia e existência social baseadas na solidariedade e coexistências no/para o coletivo

Universalidade da racionalidade capitalista moderna/colonial

Epistemes múltiplas e diversas como possibilidades

    Fonte: Elaboração dos autores (2023).


         

Assim, consideramos que as concepções de pensamento trazidas pela decolonialidade no diálogo com as contribuições do Bem Viver abrem possibilidades para problematizar, tensionar e criticar as narrativas e padrões impostos pelas concepções universais de progresso e de desenvolvimento, bem como potencializar horizontes outros de produção, economia e existência social baseados na coexistência entre sociedade e natureza. As narrativas e padrões impostos pela concepção de progresso e ressignificadas pela perspectiva de desenvolvimento ampliaram intensamente a dominação e exploração da natureza, do trabalho humano, como também sustentam uma dimensão mais ampla de dominação do ocidente sobre não ocidente. Entretanto, no contexto atual onde as incertezas, crises e ameaças desencadeadas pela busca do progresso e desenvolvimento cada vez mais se tornam visíveis, torna-se claro a necessidade de pensarmos em outros modos de produção, de economia e de existência, tanto para a sociedade latino-americana quanto para os demais sujeitos e lugares. Para tanto, o Bem Viver, enquanto um conceito em construção ligado ao campo da crítica às ideias de progresso e desenvolvimento, possibilita almejar outros horizontes e modos de produção, economia e de existência social, nos quais a democracia, solidariedade e igualdade social, bem como a solidariedade e coexistência entre sociedade e natureza, ganham forma como oportunidades de convívio em comunidade. Sobretudo, para a busca de horizontes outros e desprendimento de padrões modernos/coloniais é importante ter em mente que “superar as visões dominantes e construir novas opções de vida levará tempo. Teremos de fazê-lo durante a caminhada, reaprendendo e aprendendo a aprender simultaneamente. Isso exige grande dose de constância, vontade e humildade” (Acosta 2016, 239).

 

Considerações finais

O objetivo desse ensaio foi explorar as concepções de progresso e desenvolvimento a partir dos estudos decoloniais como suporte para pensar em possibilidades outras à América Latina, bem como apresentar algumas das contribuições do Bem Viver em diálogo a noção de possibilidades outras. No que se refere a concepção de progresso, entende-se aqui que sua imposição mundial se deu através de um padrão de dominação moderna/colonial do ocidente sobre o não ocidente. Seus pressupostos centrais, baseados na dominação centro sobre periferia, na busca incessante pela modernização e na ênfase do capitalismo como partes da missão civilizatória que levaria ao progresso da humanidade, se mostraram insuficientes e incapazes de cumprir suas promessas como de melhores condições de vida para a humanidade. Por esse motivo, a concepção de progresso entrou em desencanto a partir de meados do século XX, sendo então sucedida pela perspectiva de desenvolvimento.

A perspectiva de desenvolvimento, reiterou e ampliou os pressupostos centrais da concepção de progresso e, apoiada por políticas e estratégias construídas por políticos e especialistas ocidentais, se apresentou como uma possibilidade para superar problemas de desigualdade social, econômica e política, bem como a miséria e desemprego dos países subdesenvolvidos. Na América Latina, assim como nas demais regiões, as políticas e estratégias de desenvolvimento impuseram modos de produção, economia e existência social baseados na dominação e exploração desenfreada da natureza para fins industriais e mercantilistas, revelando, cada vez mais, inúmeros riscos e ameaças para a manutenção da existência social e ambiental. Diante dos riscos e ameaças desencadeados por essa perspectiva, torna-se necessário avançar na busca de possibilidades outras aos ideais de progresso e desenvolvimento que se mantém presentes de modo universal.

Para tanto, na busca de pensar em possibilidades outras ao desenvolvimento na América Latina, as perspectivas críticas e sensibilidades de mundo potencializadas pela decolonialidade junto das contribuições críticas e práticas que emergem do Bem Viver fornecem suporte para problematizar, tensionar e questionar as narrativas e padrões que sustentam os conceitos universais de progresso e desenvolvimento, subsidiando o avanço a possíveis giros decoloniais. Desse modo, o Bem Viver emerge como uma possibilidade, entre outras possíveis, para desprender-se dos ideais, políticas e estratégias de desenvolvimento permitindo avançar na construção de modos outros de produção, de economia e de existência social baseados na solidariedade e coexistência entre sociedade e natureza, bem como conduzir em direção a construção de uma sociedade democrática, solidária e igualitária. Emerge, também, como uma experiência e possibilidade para desprender-se das imposições e padrões da colonialidade do poder, saber e ser impostos desde a modernidade/colonialidade.

Por fim, cabe pontuar que as reflexões aqui apresentadas são um exercício inicial para pensar a emergência da perspectiva do Bem Viver como uma possibilidade outra ao desenvolvimento na América Latina. Assim, no decorrer desse ensaio surgiram outras indagações como a possibilidade de analisar comparativamente países que têm o Bem Viver em sua constituição federativa, a necessidade de aprofundar os elementos presentes na concepção do Bem Viver, ademais, de novos estudos que viabilizem novas propostas de possibilidades outras ao desenvolvimento na/à América Latina.

 

 

 

Referências

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Notas

[1] A expressão “sensibilidade de mundo” é utilizada no lugar da expressão “visão de mundo” em razão do termo “visão” ser privilegiado na epistemologia dominante ocidental (Mignolo 2017, 20).

[2] Giro Decolonial pode ser compreendido como o movimento de resistência e desprendimento dos padrões estabelecidos pela lógica da modernidade/colonialidade que conformam relações de dominação nos âmbitos do poder, saber e ser (Maldonado-Torres 2007).

 

 

 

 

Biodata

Fábio Zambiasi: Mestre em Desenvolvimento Regional, na linha de pesquisa Educação e Desenvolvimento, pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR - Campus Pato Branco) - Bolsista CAPES/DS (2020-2022). Bacharel em Administração pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC - Campus São Miguel do Oeste). Membro do Grupo de Estudos Sobre Universidade (GEU/UTFPR). Membro e bolsista técnico no projeto: "Regionalização e (des)territorialização: uma análise de experiências de internacionalização da Educação Superior (ES)" vinculado ao Edital Universal-CNPq chamada n 18/2021. A partir da perspectiva decolonial, tem interesse em temas relacionados com Educação Superior, Gestão e Desenvolvimento.

Marlize Rubin-Oliveira: Professora Associada da Universidade Tecnológica Federal do Paraná do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR). Coordenadora do Grupo de Estudos sobre Universidade (GEU/UTFPR). Participou do Programa de Visiting Scholar no Department of Lifelong Education, Administration, and Policy - University of Georgia (Jul/2017 - Jun/2018). Doutora em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Bolsista CAPES/PIQDTec (2007-2011). Participou do Programa de Visiting Scholar no Center for the Study of Higher Education na Universidade do Arizona (Jan-Abril/2010). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pelotas - RS (2000). Licenciada em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria - RS (1990). Foi Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR/UTFPR/2015/2017). A partir da perspectiva decolonial os principais interesses de investigação estão no campo da Educação Superior como lugar epistêmico, com foco em temas como produção de conhecimentos, interdisciplinaridade, internacionalização e interculturalidade.

 

 

 

Revista nuestrAmérica, ISSN 0719-3092, editada en la ciudad de Concepción, Chile. Ediciones nuestrAmérica. Correo contacto@revistanuestramerica.cl