Rev. nuestrAmérica, 2023, n. 22, publicação contínua, e10017694

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Recebido: 9 de julho de 2023

Aceito: 3 de outubro de 2023

Publicado: 18 de outubro de 2023


A fenomenologia jurídica de Miguel Reale, um teórico da cultura

La fenomenología jurídica de Miguel Reale, un teórico de la cultura

The legal phenomenology of Miguel Reale, a cultural theorist

 

Cícero João da Costa Filho

Doutor em História Social, pós doutorado em Ciências Humanas

Professor substituto da Universidade Estadual do Piauí

cicerojoaofilho@gmail.com

https://orcid.org/0000-0001-5246-8201

http://lattes.cnpq.br/2751924565465061

 


Resumo: Miguel Reale foi um jurista brasileiro e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Tendo como especialidade refletir filosoficamente as bases do Direito, responsável pela disciplina de Filosofia do Direito, o jusfilósofo combate de forma contundente o Direito naturalista fundamentado sob os preceitos “científicos” reinantes até 1940. Assimilando leituras kantianas e os desdobramentos que essas assumiriam nas interpretações do conhecimento, o Direito, as normas iriam ser fundamentadas a partir do dever ser, típica da ciência do espírito, e não conforme os preceitos das ciências naturais, desconsiderando o plano da cultura. Tomando a importância dos Valores, de Hartmman e de Scheler, reabilitadas pelo último Husserl, somado às críticas de sociólogos, historiadores, cientistas e intérpretes do Direto, Reale vai analisar o surgimento deste tendo por base a importância dos valores, se implicando com normas e fatos, configurando uma concepção de Direito a partir do mundo da cultura.

Palavras-chave: Miguel Reale, direito, filosofia, epistemologia.

 

Resumen: Miguel Reale fue un jurista brasileño y profesor de la Facultad de Derecho de la Universidad de São Paulo. Especializado en reflexionar filosóficamente sobre los fundamentos del Derecho, fue responsable de la asignatura de Filosofía del Derecho. El jusfilósofo combatió de manera contundente el derecho naturalista fundamentado en los preceptos «científicos» predominantes hasta 1940. Asimilando lecturas kantianas y los desarrollos que estas asumirían en las interpretaciones del conocimiento, el derecho y las normas se fundamentarían a partir del deber ser —propio de la ciencia del espíritu— y no conforme a los preceptos de las ciencias naturales, desconsiderando el plano de la cultura. Teniendo en cuenta la importancia de los valores, de Hartmann y de Scheler, rehabilitados por el último Husserl, junto con las críticas de sociólogos, historiadores, científicos e intérpretes del derecho; Reale analizará el surgimiento de este, teniendo como base la importancia de los valores, implicándose con normas y hechos, configurando una concepción del derecho a partir del mundo de la cultura.

Palabras clave: Miguel Reale, derecho, filosofía, epistemología.

 

Abstract: Miguel Reale was a Brazilian jurist and a professor at USP's Law School. His specialty is to philosophically reflect on the bases of Law, and he is responsible for the discipline of Philosophy of Law. The philosopher vigorously combats naturalistic Law based on the "scientific" precepts that prevailed until 1940. Assimilating Kantian readings and the developments that these would assume in the interpretations of knowledge, Law, the norms would be founded from the duty to be, typical of the science of the spirit, and not according to the precepts of the natural sciences, disregarding the plane of culture. Taking the importance of Values, from Hartman and Scheler, rehabilitated by the last Husserl, added to the criticism from sociologists, historians, scientists and interpreters of Law, Reale will analyze the emergence of Law based on the importance of values, implying with norms and facts, configuring a conception of Law from the world of culture.

Keywords: Miguel Reale, law, philosophy, epistemology.


 

* Esse texto é parte de análise elaborada por mim em pesquisa de pós-doutorado, intitulada Integralismo e Teoria Política: Miguel Reale e sua análise sobre o Estado, Poder, Direito e Sociedade (1931-1960), sob a supervisão da Prof. Maria Aparecida de Aquino, concluída em agosto de 2021.

 

Introdução

O nome de Miguel Reale está ligado ao campo do Direito, área que se dedicou durante toda a sua vida. Não impressiona o nome do jurista, um filósofo do Direito (jusfilósofo), ser tão pouco estudado e os estudos no campo historiográfico analisam o autor de A Filosofia do Direito (1953) como um mero simpatizante do fascismo, devido sua participação na AIB, movimento criado por Plínio Salgado, em 1932, em meio a tensão política do Brasil da época.

Há uma farta literatura sobre a figura de Miguel Reale no campo historiográfico, por este ter integrado o movimento integralista brasileiro. É segundo a ótica integralista que o nome de Reale vem à tona; os trabalhos datados após o clássico de Hélgio Trindade (1974), duramente combatido por José Chasin (1978) são sufocados pelo regime militar, por sua natureza autoritária; em 1990, Maria Luiza Tucci Carneiro abrindo os documentos do Itamarati apontado características da Elite Rio Branco nos oferece uma significativa contribuição com seu livro O antissemitismo na Era Vargas (1995), abrindo um leque para investigações do autoritarismo brasileiro. Ressaltamos a importância do GEINT (grupo de pesquisadores do integralismo), do qual fazemos parte, e sua contribuição com publicações, apresentações em simpósios temáticos, lives, que conta com a participação de experientes pesquisadores. 

Não se está a negar a postura política de Reale, sua defesa por um Estado Forte, mas sim mostrar este como um intelectual, banhado pelas Teorias científicas, as mais variadas possíveis. Bem diz Hobsbawm (1995) que analisar profundamente a figura de Hitler não é negar a figura maquiavélica e destruidora deste, chamando-nos atenção para uma operação historiográfica onde se enriqueça o objeto histórico da política nazista. Arendt em seu clássico Origens do Totalitarismo (1989) não diz coisa diferente quando propõe fugir ao maniqueísmo de que os males do mundo repousavam sobre a figura do judeu; todo um imaginário que recaiu sobre este fora criado para servir de instrumento político por setores reacionários – uma direita temente por suas posições privilegiada no quadro social – fez da tribo de Israel um povo que conspirava, tinha um plano de dominação mundial, e mais: os males do mundo eram causados pelo judeu. Neste texto vamos abordar o intelectual Miguel Reale, um homem com uma posição sobre a ciência histórica e com uma ampla visão da sociedade.

 

Experiência e cultura

A crítica maior de Reale é se contrapor à formulação das normas (leia-se normas sociais), buscando encontrar o ponto de partida donde essas se assentam, ponto máximo da experiência jurídica (dogmática jurídica). Não sem razão que Anônio Paim bem diz que: 

A meditação sobre o direito começa a ocupar um lugar central entre as suas preocupações no ano de 1940, quando se prepara para o concurso que levou à cátedra de Filosofia do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e escreve os livros Fundamentos do Direito e Teoria do Direito e do Estado. A posição que adota situa-se no plano do neokantismo da Escola de Baden, distinto da Escola de Marburgo. Nesta, seguindo a trilha aberta por Hermann Cohen (1842-1918), o direito foi considerado estritamente em seu aspecto formal, ensejando o surgimento da denominada Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen (1881-1973). Os pensadores filiados a Baden trataram de compreender e enfatizar a singularidade da cultura – donde a emergência da corrente filosófica denominada culturalismo. Mas, nesta adesão ao neokantismo Reale iria fazer sobressair uma das notas marcantes de seu espírito – quando se trata de problemas filosóficos nucleares – que é a de não se satisfazer com as soluções a que chega, estando sempre disponível para discuti-la e reexaminá-las. Essa é aliás uma conquista da Filosofia Contemporânea, assinalada por Rodolfo Mondolfo (1877-1976), que consiste na concepção de que se vive um tempo em que se dá a prev’alência do aprofundamento da consciência filosófica, mediante a ênfase nos problemas e o correlato abandono dos sistemas. (Paim 1999, 60-1)

O Direito é experiência concreta[1], produto das necessidades axiológicas que só existem enquanto tal devido as relações humanas intersubjetivas que encontram a realização do seu eu, no eu dos outros, numa relação de polaridade, pois o homem é o único ser que se olha porque olha o outro, e assim, sabe da existência deste, de seus anseios e inquietações, pois é por meio deste que busca o encontro consigo mesmo. Dada a natureza cultural de sua visão assoma a importância dos valores trazendo um autor que o autor desse texto considera fundamental, que é o nome de Husserl, influenciando nomes como os de Ortega y Gasset, Lacambra, que adentraram as minúcias do Eu, reconhecendo a finitude do homem, mas sempre considerando a objetividade do pensamento, pelo fato ôntico do ser, aberto sempre ao pensamento.

O que fica em evidência quando analisamos os trabalhos jurídicos do intelectual paulista é a visão filosófica, trazendo a história e toda a estrutura social como fundamentais para as normas, se implicando com os valores, dada a importância de cada povo que atribui valor a tais normas. Direito para Reale é a primeira área que se abre ao homem, desde o momento em que este se deparou com o mundo sentiu o peso da ordenação, ordenação essa que os ligou, os conectou, dando sentido à suas vidas. Aqui, ordenação não significa autoritarismo, o olhar de Reale é antropológico, trazendo-nos Levi-Strauss para sustentar sua hipótese de que o Direito é algo natural e inevitável às sociedades humanas, que conecta os círculos sociais, crescendo cada vez mais, a caminho do Estado Moderno. É bem verdade que críticas não faltaram as interpretações do Direito, este sendo visto por filósofos, historiadores, economistas ou legisladores. Como nos lembra Reale, era o momento onde o Direito como objeto de estudo foi concebido à luz do método naturalístico, prevalecendo o olhar sempre particular do sociólogo, do historiador ou de algum filósofo, poucos eram os especialistas da área.

Uma vez concebendo a inevitabilidade do Direito, donde sua natural exigência ordenativa, por isso a importância de tudo que influencia as normas (leia-se Direito), com sua estrutura e evento; no que concerne aos aspectos lógicos era preciso vigência e eficácia, Reale escrevia que se perdeu o Direito como experiência, querendo dizer que as interpretações deste se deram de forma ab extra, como se as normas surgissem por elas mesmos. As normas recebem sim sua conotação jurídica, é preciso atentar-se para os aspectos lógicos evidenciando a marca da lei, da regra ou norma, mas essas jamais podem perder de vista o conteúdo, que por sua vez, estão ligadas as relações humanas em suas significações, razão dos fins, ou de outra forma, dos valores, pois “O Direito, sendo afirmação e exigência dos valores, não é mero resultado da pressão dos acontecimentos sociais, mas resulta de múltiplos elementos, entre os quais os fáticos são condição necessária, mas não suficiente à formação do enunciado normativo” (Reale 2002, 325).

Sustenta Reale que Direito existe desde o surgimento do homem na terra, que vive envolto em seu meio social guiado por algo, existe sempre interação do homem com algo exterior, daí Reale falar em experiência jurídica espontânea. Não se trata de conceber por exemplo, um certo grupo como primitivo, tendo como parâmetro a ótica civilizada, uma vez que interpretando um determinado fenômeno tendendo sempre a evolução. Juntamente com as análises consideradas abstratas, afirmava que pairou uma Jurisprudência dos conceitos, agora o critério evolucionista retardava um olhar sobre o Direito como experiência histórica,

A ideia de que todos os acontecimentos sociais obedecem a um processo evolutivo crescente, a partir de dados originários de caráter provisório, integrandos e superados no decorrer da história, graças ao constituir-se de formas cada vez mais alta de organização social, não era de molde a suscitar interesse pelos elementos espontâneos e imediatos da vida jurídica, para reconhecer a sua validade própria e a sua função constante, não obstante as objetivações da ciência. (Reale 2002, 39)

De postura contrária à lógica evolutiva convicta de que os fenômenos tendem sempre às formas ‘evoluídas’, cujos os resultados são sempre os mesmos, a visão evolucionista levou-o os interpretes do Direito a uma visão unilateral, considerando-o a partir de sua natureza dogmática, ponto central das críticas de Reale. Embora Reale critique as interpretações sobre o Direito por se limitarem a entender este como normativo, o autor sempre defendeu um olhar elástico, uma visão integral, lutava por uma ciência jurídica desapegada das certezas formais formulada sob critérios abstratos. Mirando a experiência cultural e histórica, aplicava por assim dizer às especulações filosóficas (as condições transcendentais), no plano empírico, em busca da infraestrutura do Direito. Daí suas indagações sobre o objeto do Direito e seu método. Reale chega à malha social realizando uma espécie de antropologia filosófica. O Direito é uma experiência espontânea, inerente à relação do homem com o mundo, uma correlação transcendental.

Não resta dúvida que as ações que compõem a experiência social imediata, como o demonstra a análise fenomenológica, apresentam-se como algo de fluído ou de difuso, mas é inerente uma tendência fundamental à ordem, no sentido de uma composição de forças. No âmbito da consciência comum surgem a todo instante e se renovam modalidades de ação e de conduta como “conduta jurídica”, segundo, segundo plexos axiológicos e enlaces normativos, vividos em sua espontânea imediatidade, sem subordinarem a critérios ou a categorias da ciência, e sem, por outro lado, representarem, meros reflexos ou elaborações inconscientes de prévias tipificações científicas, difusas imperceptivelmente nas tramas dos hábitos e costumes sociais. (Reale 2002, 42)

O método apontado pelo jurista para analisar a ‘experiência jurídica’ era a fenomenologia jurídica. Tratava-se se um novo transcendentalismo, que nada mais era que a visão crítica herdada de Kant, mas aplicada agora ao terreno da práxis, das relações bilaterais entre o homem e o mundo, levando a um ponto de partida seguro, que considerasse o conteúdo das normas, uma vez que estas carregavam à complexidade dos fatos, dos valores, que só diante de uma visão tridimensional seria possível entender o Direito como ética – ciência da conduta – considerando os valores e as necessidades dos homens no espaço e no tempo, somado as peculiaridade históricas e as objetivações do espírito.

A inevitabilidade da ordem mencionada por Reale não tem nenhum apelo autoritário, no sentido de pregar a indispensabilidade dessa, suas reflexões vão de encontro as normas desvinculadas dos conteúdos, esses se encontram no amplo quadro da cultura, da vida dos homens sempre guiados por aquilo que os representa, ligando seus Eu com os Eu do mundo. O Direito assoma em Reale como lampejo cultural, é sua experiência primeira, integra sua intuição, é um espelho onde este é apenas uma das manifestações do espírito dentre tantas outras criações humanas.

Se improcede afirmar-se que a experiência comum nos deixa no limbo das intuições fragmentárias e contraditórias, pois já vimos que há sempre certa ordem ínsita em todas as modalidades de ação, - toda valoração implicando a postulação de fins, toda Axiologia pondo uma Teleologia -, não se deve esquecer que a experiência jurídica, por ser fruto de uma exigência fundamental de ordem, envolve sempre certa medida ou proporção, isto é, uma ratio, que outra coisa esta palavra não significa, em suas raízes, senão cálculo, conta, método, regra, desenho, causa.

Ora, se no plano da experiência natural a razão assume em si e ordena, segundos leis e princípios seus, o material da intuição sensível, explicitando a ordem pressuposta da natureza, do mesmo modo nos domínios das ciências da cultura, a razão compreende e ordena o material da intuição axiológica, emergente da práxis, dando-nos o sentido concreto do todo.

A essa luz podemos afirmar, com Ernst Cassirer, que “a crítica da razão torna-se a crítica da cultura”. Ela “procura compreender e demonstrar como cada contéudo de cultura, tão logo seja mais que mero conteúdo isolado, tão logo seja situado em um princípio universal de formas, pressupõe um ato original do espírito humano. (Reale 2002, 48)[2]

Ligada a tradição do neokantismo, Cassirer elabora questionamentos oriundos da premissa maior do transcendentalismo, que é associar a realidade, seja empírica ou apenas pensável, apenas possível no plano abstrato. Remetendo sempre à tradição das escolas mais importantes orientadas por uma nova espécie de crítica, como as de Marburg e de Baden, “Cassirer, sobretudo na sua primeira fase, é considerado, por muitos, como “o mais puro e perfeito representante do neokantismo de Marburg” (Erdmann/Clemens, em Esboço da História da Filosofia) ou como “o terceiro mais importante expoente da Escola de Marburg (...) que nas suas obras históricas e sisteméticas talvez tenha proporcionado à doutrina neokantiana a expressão mais aguda, precisa e atualmente mais eficaz” (Rosenfeld 1992, 14).

Frente o mundo difuso do homem a sua volta, onde arte, ciência e religião são expressões ainda não logicamente orientadas, Reale segue os passos de Cassirer, entendendo a lógica natural do homem em relação ao mundo que os cerca. É extremamente interessante o fato de Reale, um exímio conhecedor das doutrinas científicas, considerar o mundo ‘irracional’, e é aqui que entra sua importância, por acreditar em tudo que foge ao cânone científico. Não se trata de trocadilhos, para erigir e assim dá sua contribuição do Direito como Teoria da cultura, resultado de um complexo conteúdo, o jurista despreza a ótica naturalista, que preza por um único método, antecipando já o resultado. É que Reale é um filósofo, um intelectual que acreditou na Teoria dos Valores, de Hartmman e Sheler, que marcou o último Husserl, se perguntando para além da rigidez do sujeito como nos moldes de Kant, “poderia parecer que à medida que se processam e se apuram as objetivações, dá-se o alheamento do espírito em relação ao mundo, assim como o divórcio da experiência cotidiana. Esse é, sem dúvida, o pecado mortal da ciência, a qual corre sempre o risco de encantar-se com as suas categorias lógico-formais, convertendo-as em realidades absolutas, seccionadas as raízes que a prendem ao fecundante húmus da vida comum” (Reale 2002, 49). Direito é antes de tudo a correlação entre os homens e o mundo a sua volta, com seus signos que dão ‘valor’ as coisas, a experiência jurídica nada mais é que uma exigência fundamental de ordem,

(...) o essencial é reconhecer que todas as expressões da cultura, como sínteses ontognoseológicas, isto é, subjetivo-objetivas e teórico-práticas -, se atualizam no concreto da experiência histórica, segundo uma dialética de complementaridade; e obedecem a um projeto comum da espécie humana, como projeção do valor universal da pessoa, que é o valor –fonte de todos os valores, e tornada possível pela subjetividade transcendental doadora de sentido, visando a subordinar a natureza a seus fins, através de formas que constituem renovadas tentativas de compor e harmonizar o espírito e o mundo. (Reale 2002, 49)

Com essa visão culturalista, Reale trazia em suas reflexões particularidades das relações humanas, suas interações, as necessidades da vida cotidiana, que em conexão com o Mundo, ordenava as relações sociais. A ideia de objetivações científicas perpassa a concepção do Direito, como uma experiência que antes de ser juridicamente qualificada, estar enraizada em qualquer grupo social, tendendo ao ponto máximo da racionalização jurídica, quando sua qualificação, materializada sob a forma do direito abstrato, quando existe a presença do Estado como referência maior do Direito. Reale concebe o Direito como coercitivo no sentido em que todo e qualquer círculo social respeita às liberdade e necessidades humanas, ou seja: o Direito existe e deve existir porque aponta o caminho da liberdade humana, o meio de se alcançar a justiça social e o bem comum. O Direito vai além da Sociologia, tem a função de compreender, mas também de ordenar; as normas jamais existem para tolher as liberdades humanas, o Estado tem o caráter tridimensional respeitando a cultura de cada povo. 

Não é sem razão que certas normas jurídicas perdem força de lei, uma vez ficarem vazias de sentido, pois as necessidades sociais (axiológicas) mudam, outros são os problemas que tornam obsoletas essas leis, haja vista, por exemplo, que uma questão ligada a economia, a geografia ou a política mudam em decorrência da passagem dos tempos. Os modelos jurídicos dependem dos valores, fatos e normas implicadas por uma dialética aberta, uma dialética concreta, caracterizando a dimensão histórica e cultural do Direito. Perscrutando o Direito do ponto de vista concreto e não abstrato, Reale estende sua dialética ao ponto de utilizar o método fenomenológico, “essa descrição objetiva” do direito só pode ser rigorosamente realizada mediante o emprego do método fenomenológico, que nos permite afirmar que todo fenômeno jurídico se reduz a um fato (econômico, geográfico, demográfico, etc.), ordenado, normativamente, segundo determinado valores. (Reale 2002, 52-3).

Face à espontaneidade da ordenação, o Direito é inerente ao espírito humano, “em verdade, as doutrinas e os sistemas jurídicos assinalam, através de seu encadeamento histórico total, a compreensão da subjetividade universal da espécie humana no concernente aos problemas do direito do país tais como vem sendo vividos no decurso do tempo, como parte do projeto comum a que aludi à página 49” (Ibidem, 53). Reconhecendo alguns sociólogos, historiadores do Direito, como também alguns jusfilósofos, Reale salientava que as teorias clássicas primavam pela dialética genérica e abstrata, sendo necessário uma dialética da complementaridade. Os valores se mostram de fundamental importância para a compreensão de Reale, pois os fins nada mais são que os meios, possuem sua razão de ser porque buscam a realização dos valores, sendo o bem comum e a justiça social os objetivos principais, “faz-me dizer que o direito, antes de ser “querer querido”, é “querer valorado”, de sorte que  a imperatividade jurídica não é de caráter voluntarista, mas sim axiológico: resulta, isto é, do processo de objetivação dos valores que se realiza através de manifestações concretas da vontade” (Ibidem, 246). Mas, qual o método de Direito para Reale:

Como Husserl nos esclarece, a atitude natural da ciência é sempre realista, no sentido de que não reduz, nem subordina a realidade a condições subjetivas, nem faz da correlação sujeito-objeto um problema essencial e prévio. Ao contrário, a Ciência Positiva, como ciência de realidades, parte do pressuposto metodológico da autonomia do objeto, como dado empírico, cujas leis procura explicar. O mesmo ocorre no domínio da Ciência Jurídica, o que torna compreensível a natural tendência do jurista, enquanto tal, no sentido de acolher com mais simpatia as interpretações filosófico-positivas do direito, aquelas, isto é, que não põem qualquer distinção essencial entre Ciência e Filosofia. Sob esse prisma, já foi dito com razão que o “positivismo jurídico” é o “lugar geométrico” da mentalidade do técnico ou prático do direito. (Ibidem, 54)

Com tamanha erudição, Reale assume a posição de buscar conhecer o objeto do Direito, essa postura se deve a seu farto cabedal intelectual, seus diversos trabalhos nada mais são que uma busca pelas particularidades das normas, dizendo de outra forma, tratam de apontar os elementos culturais em sua Teoria Tridimensional. Embora reconheça a importância do pesquisador, de seu coeficiente pessoal, Reale é acorde quanto a um método específico para o Direito, por se tratar de uma ciência do espírito; essa não pode estar sujeita aos aspectos volitivos, o legislador, o técnico, historiador ou sociólogo do Direito estão imerso num mundo de valores, tem sua participação na construção-interpretação do conhecimento, mas acima de tudo existe algo de universal em sua cultura que torna-se fundamento de sua visão de mundo.  

Dividindo de forma esquemática as disciplinas auxiliares para averiguar a jurisprudência, o Direito integrava a Teoria Geral do Estado, pois avistava o fenômeno do Poder do ponto de vista jurídico em função das condições do espaço e do tempo. O Direito estava presente na história desde que o homem surgiu, alinhado com um conjunto de signos e sinais que os ordena, explicando práticas e todo um amplo leque cultural dos povos, por isso o caráter bilateral do Direito.

 

Subjetividade: em respeito as liberdades humanas

Buscando elaborar uma Teoria jurídica que fugisse às interpretações positivistas que marcaram o estatismo no século XVIII, fruto do liberalismo, conforme afirma Reale, o integralista jamais deixou de anotar em seus trabalhos de ciência jurídica o respeito às liberdades. De farta erudição, é de se admirar que Reale busque aplicar sua fina especulação filosófica no campo da práxis. Seu livro A Filosofia do Direito (1953) é uma obra de fôlego, apontando a seriação das áreas, seus métodos, e o mais importante: a Filosofia dá as condições transcendentais, sem as quais se torna impossível qualquer área do conhecer possuir status científico. Professor da USP com a disciplina Filosofia de Direito, onde defende no concurso de admissão a tese Fundamentos do Direito, em 1940, Reale cita dois nomes que marcam sua visão cultural, no caso, Lask e Radbruch. Com um esforço aguerrido de pesquisador assim como uma índole natural a política como ele mesmo descreve, vemos um Reale perscrutar as mais diversas Teorias científicas em busca de um método para o Direito: a singularidade é que Reale aponta que a ciência jurídica não tem a preocupação da Filosofia, a importância da área de Aristóteles é o tronco das demais ciências, onde os galhos são suas subdivisões. Sem essa colocação a compreensão sobre Reale fica comprometida.  O Direito nada mais era do que a síntese da liberdade, dada outras noções arroladas para o Reale, é preciso adentrar a experiência concreta da vida, as necessidades sociais da coletividade, “posso dizer que a experiência jurídica é a experiência social e histórica enquanto os comportamentos dos indivíduos e dos grupos se ordenam normativamente segundo valores éticos de convivência, a cujo respeito devem se subordinar as partes e o todo, segundo uma objetiva distribuição garantida de poderes e deveres” (Reale 2002, 118). Reale incursiona na complexidade das relações humanas, com um olhar agudo de filósofo, remetendo a intelectuais de diversas áreas, afim de entender que o Direito (especifiquemos, a norma jurídica), carrega a tábua de valores do todo social, face as invariantes axiológicas, a objetivação do espírito no tempo, o poder de síntese que este tem revestido na experiência jurídica. Com essa concepção cabia antes de mais nada conceituar o Direito:

Não se deve, porém confundir o seu conceito de Direito, que se aplica a todas as experiências históricas, com a ideia de Direito, que é mera abstração ordenatória da totalidade das vontades possíveis: - para Stammler, essa ideia é a de uma “comunidade pura”, onde seja possível a todos querer com o dos demais. Ter-se-ia, assim, um critério, não para determinar o que é justo, mas para aferir e saber se é justa qualquer ordem jurídica positiva: - uma forma histórica do Direito que desatender aos pressupostos formais da liberdade das pessoas e de sua igualdade, por sujeitar uma ao arbítrio da outra, ou dar a uma o que à outra se recusa, deverá ser considerada injusta. (Reale 2002, 339) —grifo do autor— 

O Direito arregimentava os valores, o conteúdo das normas, trazia as particularidades de uma dada sociedade. São os valores que representam a peculiaridade de cada povo, suas necessidades, tornando inevitável a existência do Direito. Diferente da arte, da religião, da economia, da moral e da estética, possuidores de fins específicos, o Direito tem por objetivo alcançar todos os valores, “se há algo, pois, de essencial à experiência jurídica não é a particularidade de um fim próprio, mas antes o iniliminável objetivo da realização ordenada de todos os fins que os homens possam se propor, segundo esse valor comum de infra-estrutura que é a justiça”. Essa visão se dá por ser o Direito na visão de Reale uma experiência social e histórica, é no campo da cultura que as normas se fazem, consoante ao complexo axiológico e ao personalismo histórico (Reale 1994). Quando falamos em Direito falamos em liberdade, o que significa respeito às vontades individuais que se encaixam na vontade maior de todos os homens, ocasionando a justiça social. Munido pelo último Husserl, a face epistemológica de Reale soava forte, um dos argumentos ou causas para o ordenamento social devia-se a lógica do pensamento, que como tal, tinha um fim. As intencionalidades objetivadas era um dos aportes teóricos de Reale, levando-o a averiguar à experiência jurídica sob um viés concreto, cultural, em contraposição as análises lógico-formais, presas aos pressupostos que possuíam validade ab extra.

É por demais significativo a reviravolta no campo da Teoria do Direito provocada por Reale, amalgamando o sentido lógico (preocupação do profissional que aplica a lei, e que por isso concebe o Direito em sua dimensão normativo-compreensivo), e claro, nos chamando atenção para o aspecto deontológico, principal tópico da experiência jurídica. Uma importante fala marca o ponto de apoio da concepção de Direito de Reale:

Reconhecida a possibilidade de uma experiência ética ou axiológica, marcada pelas sucessivas tomadas de posição do espírito perante a natureza e pela ininterrupta produção de objetos culturais, como fruto do poder de síntese e de liberdade que caracterizam a consciência humana, - claro resulta que o direito não é senão uma expressão da experiência social e histórica, um dos produtos espirituais de base, cuja dramaticidade espelha e reflete aspectos essenciais à imagem total do homem. (Reale 2002, 117)

Reale realiza uma verdadeira antropologia filosófica que sempre tratou de esboçar caracterizava o processo fenomenológico jurídico. Se as normas (leia-se Direito) clássicas sobre as interpretações jurídicas giravam sobre os preceitos lógico dessas, levado a cabo por especialistas ou técnicos do Direito, cabe agora investir no complexo social (fático, axiológico) a fim de trazer tudo àquilo que está presente nas normas. Sabedor que era da perícia jurídica, de como tratadistas, filósofos, e até estudiosos famosos da Teoria do Direito e do Estado analisavam a ciência das normas, o intelectual estava preocupado em configurar um Direito a partir da compreensão social dos círculos sociais que cada vez mais tornavam complexos, viabilizando a formação de um Poder soberano.

É a razão pela qual o direito não pode ser reduzido à conduta como tal, confundindo-se com a ação dirigida para algo que a determina e a torna o que é: só poderá ser vista como conduta enquanto momento inserido na coexistência de todas as condutas possíveis. Daí dever-se dizer que o direito é antes a coexistência social ordenada segundo o valor de justiça que assegura a cada conduta particular o seu campo de desenvolvimento próprio na harmonia do desenvolvimento global. (Reale 2002, 119)

Tendo como objetivo maior a justiça social, onde as partes não fossem engolidas pelo ‘Todo’, esse jânio brifonte teria um verdadeiro valor franciscano, tamanha era a ambiguidade entre o Direito e o Estado; essa densa análise está minuciosamente analisada em seu livro Teoria do Direito e do Estado (2000). Não se pense que na sociedade pensada por Reale os homens se realizariam concretizando seus anseios individuais, essa era uma falsa liberdade que considerou o Direito a partir do Estado, sendo que este é apenas um ponto de referência, formulador de um Direito racional e abstrato que surge com o Estado Moderno. Liberdade em Reale não é a somatória do número como concebia o liberalismo, onde a vitória ficava sempre do lado do mais forte, crítica de todos os integralistas, “conceber, com efeito, o Direito como uma coordenação objetiva de comportamentos reconhecidos reciprocamente como legítimos, com exclusão de impedimentos extrínsecos à mesma coordenação intersubjetiva. Implica pressupor em cada sujeito o direito de liberdade” (Reale 2002, 351). A concepção de Direito para Reale é totalizante, ou seja, trata de uma análise que embora seja por demais minuciosa, trazendo correntes como a fenomenologia, o que importa é voltar o olhar para o plano cultural, da realidade das coisas, por isso sua insistência em alicerçar a ciência jurídica (o Direito), a partir da experiência concreta, das relações humanas onde a complexidade axiológica e o personalismo histórico tornam o grande problema, pois os valores e as inquietudes dos homens são complexas, cada sujeito histórico tem seus desejos em meio a uma estrutura social que precisa de normas de conduta. Face essa exigibilidade bilateral, uma relação entre o sujeito e o estabelecido, as normas que toda sociedade enfrenta:

O direito é, pois, uma espécie de experiência cultural, isto é, uma realidade que resulta da natureza social e histórica do homem, o que exige nele se considere, concomitantemente, tanto o que é natural como o que é construído, as contribuições criadoras, que consciente e voluntariamente se integraram e continuam se integrando nos sistemas jurídico-políticos. Daí se apresentar sempre como síntese ou integração de “ser” e de “deve ser”, de fatos e valores, quer em experiências particulares, quer na espécie global dos ordenamentos objetivados da história. (Reale 2002, 111-2)

Com o termo natural, Reale quer dizer que como ciência que tem sua base nos valores, o Direito jamais pode ser concebido como algo acabado, que semelhante as ciências do ser sempre se chega ao mesmo resultado. Mas não se pense que por ser uma ciência do dever ser, que considera as contingências ou mudanças do tempo, as necessidades de cada época, a presença inevitável do espírito, existe algo de comum que valida o olhar do Direito – uma ciência normativa-compreensiva. As ciências culturais, se imbricam num universo que jamais se dispensa o coeficiente pessoal, mas nem por isso perdem sua credibilidade como ciência. Essa é a grande falha das ciências naturais, como a física e matemática, que deram suporte à concepção unilateral do Direito, como por exemplo, mais perto de nós, a visão neo-positivista de Norberto Bobbio, como escreve Reale.

Cultura e natureza não se separam. Bobbio por exemplo, não considerava o Direito nem como ciência histórica nem como ciência natural, podendo ser tanto uma como outra. É histórica por ser interpretativa e possuir seu lado de ciência natural por ser generalizante, partindo o estudioso da norma jurídica de uma base cientifica. Assim, o Direito até certo momento tem a participação da história, contribuindo na interpretação do objeto, e daí para frente surge a lógica das ciências naturais, “quanto ao fim proposto, que é elaborar conceitos gerais e construir um sistema completo de conceitos jurídicos (generalização e sistematização)” (Reale 2002, 114). Diante do posicionamento de Bobbio, Reale afirma que não vai entrar na discussão sobre o caráter das ciências generalizadoras e das ciências individualizadoras, nos moldes propostos por Windelband e Rickert, chamando-nos atenção para o plano cultural: “talvez cause estranheza que não tenha, coerentemente, também reconhecido ser a Jurisprudência uma ciência histórico-cultural, mas é que ele não pôde ou não quis admitir, - por estar apegado a uma abstrata teoria da cultura -, que só uma ciência cultural atende ao duplo requisito de ser histórica e concomitantemente natural” (Ibidem, 114).

A divisão rígida entre natureza e cultura é inconsistente para Reale, essa não é contraposta àquela, a natureza integra a cultura, não é algo feito, estático, cabe considerar seu caráter mutável, uma vez contar com a participação do homem. Não existe um fato literalmente bruto para Reale, o coeficiente pessoal é algo sempre presente marcando qualquer criação humana. Inconsistente também para Reale é a rigidez de ciência do particular e ciência do genérico, pois o fato de ‘compreender’ jamais impossibilita as ciências sociais de credibilidade científica. O exemplo dado por Reale é o da economia, que teve em Marx “o mérito de tê-lo projetado na esfera da problemática existencial, como penso ter demonstrado em ensaios insertos em Pluralismo e Liberdade” (Ibidem, 115).

Uma vez que o objeto do Direito fugia ao quadro explicativo típico das ciências naturais, Reale rechaçava as diferenças entre ‘interpretar’, ‘compreender’ e ‘explicar’, seguindo análises de Dilthey, Weber, Radbruch, Husserl e Spranger, pois “se ‘compreender’, no sentido acima referido, significa ‘ver algo em suas conexões de sentido’, ou ‘situar algo em função de um complexo convergente de valorações’, é deveras absurdo que se aceite aquele modo de acesso ás realidades culturais de nomine e se lhe recuse qualificação científica” (Ibidem, 115). Paradoxalmente, o homem se desconhecia imerso que estava na lógica irracional, mas de sentido, onde o Direito já existia. Podemos afirmar sem sobressaltos que Reale, conhecedor das Teorias epistemológicas delimitava muito bem cada esfera do conhecimento, anotando a preocupação de cada área, seu método e participação das disciplinas auxiliares, imerso no Todo, para só assim, traçar sua contribuição na esfera da Ciência Jurídica.

Da análise linguística até o complexo processo de apreensão do conhecimento, que abriu escolas e vertentes no campo das ciências humanas, após a crítica transcendental de Kant, continuada em seus aspectos epistêmicos por filósofos posteriores da Escola de Baden, da Escola de sudocidental integrada por Emil Lask, Frederico Munch e Gustav Radbruch, pela lógica de Husserl —uma releitura da dialética hegeliana— nas reflexões de pensadores como Julius Binder, Karl Larenz, Giovanni Gentille. Com uma vasta produção, uma análise profunda sobre as bases constituintes da norma, mediante influência de pensadores como Dilthey, Rickert, Vico, Husserl, dentre tantos outros, Reale empreendeu como afirma uma fenomenologia da experiência jurídica. Assim é que as bases de sua concepção do Direito é elástica, devido sua profunda infiltração nas relações humanas, em que o homem é ao mesmo tempo ser e dever-se, é finito e infinito, é o único ser que vive o drama da história, porque não concretiza seus anseios em sua totalidade. Com farto cabedal filosófico, mesmo com tantas dificuldades, o epistemólogo Reale jamais deixou de acreditar na formação de um Direito calcado nos valores, esses eram parte da finitude humana que se fazia num tenso processo de ambiguidade e dialética, tornando necessário as conexões de sentido. São essas que ligam os homens em seus signos ou sinais, que por si só são ordens, é um direito que ainda não sofreu qualificação jurídica, mas se trata de um Direito. Direito para Reale não surge no Estado Moderno, o Poder sempre esteve presente desde às primeiras civilizações, importa para o intelectual de São Bento do Sapucaí voltar àquilo que naturalmente se tornará passível de qualificação jurídica, mas o Direito espontâneo sempre existiu.

Cumpre, pois, pesquisar e aferir o direito como experiência jurídica concreta, isto é, como realidade histórico-cultural, enquanto atual e concretamente presente à consciência em geral, tanto em seus aspectos teoréticos como práticos, ou, por outras palavras, enquanto constitui o complexo de valorações e comportamentos que os homens realizam em seu viver comum, atribuindo-lhes um significado suscetível de qualificação jurídica no plano teorético, e correlatamente, o valor efetivo das ideias, normas, instituições e providências técnicas vigentes em função daquela tomada de consciência teorética e dos fins humanos a que se destinam. (Reale 2002, 31)

Rechaçando justamente a visão típica do naturalismo é que Reale insistentemente nos leva ao plano fático e axiológico (dos valores), que juntamente com as normas, fazem a experiência jurídica. As críticas se voltam porque as Teorias jurídicas (do Direito), jamais se perguntaram pelos aspectos culturais, que tem os valores como elemento principal. Interessante notar é que com amplo conhecimento, levando o leitor até a ser vê entremeado de contradição, Reale afirma que busca entender o Direito como experiência concreta, pois este nada mais é do que experiência cultural e histórica. Direito em Reale é algo inerente ao homem, à suas relações intersubjetivas, que perpassa toda sociedade humana. Direito significa uma eterna aspiração do espírito, que dada a peculiaridade do tempo e de cada grupo humano, traz as necessidades axiológicas, tornando indispensável a existência dos meios para a realização dos fins. O Direito é a Ciência que se preocupa com a conduta dos homens, que na concepção de Reale, não se confunde com a visão do sociólogo, do filósofo, nem do historiador.

Como afirma ao longo de sua vasta produção jurídica (sociológica, histórica, e acima de tudo filosófica), as análises das diversas Teorias jurídicas são decorrentes de uma visão de Direito abstrato, que quando muito aponta uma dialética de dois polos. Essa dialética impede a visão que fez Reale adentrar o campo da Cultura, assimilando as leituras de Husserl e Max Scheller, combatendo a análise do Direito de Kant que acreditava ser este possível apenas na esfera da razão pura, bloqueando nas palavras do jurista uma análise do Direito no campo da práxis, a partir de seu objetivo maior de ser o Direito uma experiência concreta, com uma dialética aberta. Aqui reside a fenda do pensamento kantiano, que fará com que Reale invada a estrutura social com o intuito de analisar as ações humanas, frente as intenções objetivadas, que mesmo diante de um complexo processo do conhecer, existe nas sociedades uma natural tendência à ordem, sendo indispensável a participação daquilo que é fundamental ao homem em suas relações, “seria absurdo, porém, que no plano da experiência não se concretizassem as valências percebidas como condições transcendentais de todas as espécies possíveis de ‘estrutura social’” (Reale 2002, 159).

Filósofo, extremo conhecedor das Teorias científicas, políticas, jurídicas, históricas e sociológicas, Reale traça o longo caminho da literatura jurídica, afim de mostrar o caráter abstrato, formal, positivista, respaldado pelo liberalismo que não sentiu as necessidades de mudança social. Dada a minúcia da Teoria Tridimensional de Reale, integrada pela lógica fenomenológica em resposta ao bloqueio de Kant de considerar possível o estudo da experiência jurídica no campo da razão pura, a Filosofia dos Valores, de Husserl e Max Scheler, incrustrada no homem em suas relações, é o pano de fundo para que possamos compreender o pensamento de Reale.  

A rigor, no âmbito da Filosofia de Kant só há lugar para a experiência natural, pois como ele o afirma na Primeira Introdução à Crítica do Juízo – talvez as páginas em que o filósofo mais se sente e vive a necessidade de superar a antítese existente, em seu sistema, entre a razão teórica e a razão prática – “a liberdade não pode, em circunstância alguma, ser objeto da experiência”, de tal modo que tudo o que resulta da vontade (Wilkur) como aplicação prática, tudo, em suma, que seria frutos de atos voluntários “pertence ao reino das causas naturais”. Por tais motivos, acrescenta ele, “como as proposições práticas se distinguem das teóricas por sua fórmula, mas não por seu conteúdo, nenhum tipo de Filosofia é necessário para o seu estudo; o que resulta da vontade, e existe como tal na natureza, “pertence à Filosofia teorética como conhecimento da natureza”. (Reale 2002, 16)

Reale nos mostra a contribuição do pensamento de Kant, seus fracassos, acabando por combater seu transcendentalismo, aspira por uma dialética da complementaridade, onde os elementos se distinguem, mas não se separam, sua existência só faz sentido quando combinados. Esse modo de pensar é fundamental para que compreendamos Reale, uma vez que quando o filósofo combate esse ou aquele autor, e muitas são as passagens de reprovações a pensadores, toma algum elemento de suas teorias. É frequente lermos em suas finas análises a assertiva de que ‘esse elemento não se reduz a este’. Não sem razão que como traça em sua Teoria Tridimensional, diversos foram os especialistas que traziam a dialética, atentando para o plano cultural, mas uma dialética que não avançava, tratava-se de uma dialética que matava um de seus polos, gerando um terceiro elemento. Era necessário uma dialética complementar onde os elementos se impliquem. Considerando tanto as correntes empiristas como as racionalistas, Reale fica a meio termo, por relevar a importância do homem, do espírito, da subjetividade, que a seu ver marca a experiência jurídica.

Há aliás, outra razão para remontar-se a Kant, pois foi em suas ideias que deitaram raízes as primeiras teorias que reivindicaram a especificidade da experiência social e histórica, apesar da insuficiência de suas formulações, cujo superamento só se tornou possível, permitindo uma compreensão mais concreta e dinâmica da juridicidade, quando se reconheceu a insuficiência do transcendentalismo lógico-formal do pensador de Koenigsberg. É até certo ponto paradoxal que da corrente inicialmente mais infensa a qualquer forma de “experiência” da vida ético-jurídica houvesse surgido, ou se desprendido, por contraste e como necessidade de superar as antinomias postas por Kant entre o plano teorético e o prático, uma linha de pesquisas sobre o conteúdo axiológico da conduta ética material dos valores, sem se perder na rala trama dos fatos empíricos, mas antes conservado e potenciando duas exigências do pensamento crítico: a sua compreensão transcendental e o rigor epistemológico de seus enunciados. (Reale 2002, 14)

Para que compreendamos o verdadeiro processo fenomenológico que empreendeu a Ciência Jurídica, atinamos para a leitura de toda a estrutura social onde avultam nomes de sociólogos como Persons, Weber, Durkheim, dentre outros. O transcendentalismo Kantiano em Reale ‘transcende’, vai além das condições colocadas por Kant frente a apreensão do conhecimento; se para conhecermos necessitamos das categorias puras desse conhecer, exigindo em nosso intelecto condições de tempo e espaço para que se formem juízos, em Reale é de fundamental importância adentrar a estrutura social para entender a inevitabilidade das normas, do Direito como indispensável a liberdade humana. 

Nessa perspectiva, Reale assegura a importância do transcendentalismo (as condições sem as quais algo é possível), para mergulhar na estrutura social, empreendendo uma profunda análise sobre a naturalidade da projeção humana, o querer fazer História: o homem é o único ser que tem consciência de sua finitude, é o único ser que sabe do que tem que ser feito para atingir sua própria liberdade. É nas entranhas da cultura que o intelectual vai buscar o substrato das normas, sempre chamando atenção para o mundo dos valores, produto social, que surge das necessidades de cada povo, que cria seus valores dando valor as coisas. Valores só possuem sentido quando surgem no campo da história, onde o homem se conecta com o mundo conferindo uma bilateralidade, e assim, segue os ordenamentos em seu meio social-cultural, fazendo o Direito. Quando Reale fala em ordenamentos não está falando do caráter autoritário deste, mas sim de olhar as relações humanas onde existem comandos – algo que liga os homens ao Mundo –, resguardando uma ética e uma moral; são as conexões de sentido que explicam o Direito, dentre outros fatores. Interessante notar é que o Direito não capta à liberdade humana em sua Totalidade, pois se assim fosse, o Direito perderia sua razão de ser!  Direito é a ciência da conduta, que tem como princípio a criação das normas sociais, gênese das regras jurídicas – nem toda norma social torna-se norma jurídica – por isso que Direito não equivale a Poder, nem a Estado, mas sim, a uma pura exigência de seres que jamais vivem isolados, sempre mantem relação com seus comandos sociais que com o passar dos tempos tendem a se tornarem direito racional e abstrato, devido o desenvolvimento dos círculos sociais.   

Mas, Reale não se prende ao fato de saber que Direito é uma ciência da conduta. Direito brota da característica autotélica do homem, que sempre está por se fazer, à imagem e semelhança do artista com sua capacidade criativa; o artista que faz uma estátua já coloca na forma seu conteúdo sabendo qual o objetivo a alcançar; a explicação religiosa possui sua lógica própria aplacada pelas emoções. Direito para Reale é acima de tudo uma ciência possuidora de telos, que carrega as necessidades axiológicas de uma sociedade, que reconhece a Moral e a Ética como indispensáveis à liberdade humana. Por isso que Direito, em suas categorias, clareando cada área da Ciência Jurídica (Dogmática Jurídica), estar sempre ligado a história da sociedade, daquilo que fez de um valor um fim, e que este somente é fim devido um valor que é atualizado pelo homem, que traz sempre as conexões de sentido.

Sob o ponto de vista da História das Ideias, mais especificamente, da historiografia que aborda o pensamento de Reale, o jurista insere-se na tradição culturalista que enfrentou uma amplitude de vertentes ideológicas, com tendências de um saber naturalista eivado de positivismo que tanto o combateu. Não é demais aludir ao panorama das ideias da época:

A influência alemã pode ser reconhecida também, antes do ISEB, em Gilberto Freire, um discípulo de Franz Boas, em Caio Prado Jr., um seguidor de Karl Marx, e em Sérgio Buarque de Holanda, que estudou na Alemanha da época da República de Weimar, de onde trouxe uma metodologia nitidamente weberiana. Essa presença da cultura alemã é, certamente, um traço característico do próprio Jaguaribe, que trouxe ao ISEB influências de Max Weber e Ortega y Gasset (1883-1955), bem como do culturalismo de Windelband (1848-1915) e Rickert (1863-1936). (Weffort 2011, 280)

Nas palavras de Weffor,t desfilam nomes bem conhecidos de Reale, influenciando-o em suas análises sobre a importância da cultura na formação das normas. Ao longo de suas análises, traçava a guinada das Teorias de um Direito abstrato, lógico-formal, para um Direito concreto, para que só assim fosse possível um Direito considerado científico, uma vez carregar consigo o complexo fático, juntamente como os valores e as normas. Antonio Paim resume bem a singularidade de Reale:

A meditação sobre o direito começa a ocupar um lugar central entre as suas preocupações no ano de 1940, quando se prepara para o concurso que levou à cátedra de Filosofia do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e escreve os livros Fundamentos do Direito e Teoria do Direito e do Estado. A posição que adota situa-se no plano do neokantismo da Escola de Baden, distinto da Escola de Marburgo. Nesta, seguindo a trilha aberta por Hermann Cohen (1842-1918), o direito foi considerado estritamente em seu aspecto formal, ensejando o surgimento da denominada Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen (1881-1973). Os pensadores filiados a Baden trataram de compreender e enfatizar a singularidade da cultura – donde a emergência da corrente filosófica denominada culturalismo. Mas, nesta adesão ao neokantismo Reale iria fazer sobressair uma das notas marcantes de seu espírito – quando se trata de problemas filosóficos nucleares – que é a de não se satisfazer com as soluções a que chega, estando sempre disponível para discuti-la e reexaminá-las. Essa é aliás uma conquista da Filosofia Contemporânea, assinalada por Rodolfo Mondolfo (1877-1976), que consiste na concepção de que se vive um tempo em que se dá a prevalência do aprofundamento da consciência filosófica, mediante a ênfase nos problemas e o correlato abandono dos sistemas. (Reale, Ibidem, 60-1)

O Direito é experiência concreta, produto das necessidades axiológicas que só existem enquanto tal devido as intersubjetividades, que encontram a realização do seu eu, no eu dos outros, numa relação de polaridade, pois o homem é o único ser que se olha porque olha o outro, e assim, sabe da existência desse outro, de seus anseios e inquietações, porque é por meio deste que busca o encontro consigo mesmo.

 

De tantas Teorias qual a escolhida por Reale?

O Pós-guerra não foi apenas um momento da história onde se mostrou ao mundo os milhares de mortos, tornando indispensável o reordenamento da economia. Muitos setores foram afetados, a ciência precisou se acelerar para alavancar as perdas de outrora, causando impacto no plano ideológico político, de modo específico, na crítica a liberal democracia, “a democracia dá diversos sinais de fraqueza que é preciso destacar para perscrutar-lhes as causas. A sua crise provém do sentimento, exato ou errôneo, da inadequação dos princípios e instituições da democracia clássica, isto é, liberal e parlamentar, às circunstâncias, problemas e disposições do espírito público” (Remond 1988, 59-60).

A crise das democracias remonta ao século XIX, onde o fascismo se mostrou uma alternativa política, mas antes de tudo um projeto de vida social e política, como bem salienta Sternheel (1989). Era a batalha pela melhor Teoria do conhecimento. Como se não bastasse a máquina mortífera dos regimes totalitários, estendendo seus tentáculos pelas áreas mais distantes do mundo, a sociedade se transformou e assim, do ponto de vista científico, era premente e vicejaram formas de conhecimento que iam do mais alto grau positivista até a busca pelo eu da psicanálise. Dizia Reale que, “assim como se diz que o século XIX foi o século da história, pode-se dizer que o século XX foi o século da cultura, o que assinala relevante progresso na compreensão do ser humano. É preciso, contudo, esclarecer em que sentido está sendo feita por mim essa afirmação” (Reale, s/n, 55).

O Positivismo foi sem sombra de dúvida a corrente que mais influência deixou na delimitação das ciências. Cultura e Natureza, ciências naturais e ciências do espírito, intuição e objetividade, eram elementos antagônicos que demarcavam a linha de racionalistas e empiristas. Na literatura epistemológica paira a verdadeira luta entre aqueles que creditam o conhecimento ao objeto, desconsiderando o sujeito que conhece; e a outra corrente que supervaloriza a participação do eu, se distanciando do seu objeto de análise. Miguel Reale situa-se a meio caminho entre racionalistas e idealistas, tendo escrito obras de História da Filosofia e verdadeiras obras sobre Teoria do Conhecimento, como sua Filosofia do Direito (1953) e Verdade e Conjuntura (1983).

Fazia-se necessário formar e fornecer as bases de cada área do conhecimento, ou seja, era preciso delimitar o objeto de cada área para assim fundamentar esta como ciência. Essa foi a principal tarefa, que rendeu toda a vida intelectual de Miguel Reale. Em seus estudos sobre a ciência jurídica ao longo de décadas, o jurista falava de maneira simples e humilde, “após algumas dezenas de anos de árduo labor no âmbito que se convencionou chamar Teoria Geral do Estado, e que melhor fora denominar-se Ciência Política, não se pode afirmar tenhamos feito decisivo progresso no que se refere ao problema primordial da determinação de seu objeto próprio” (Reale 2000, 367). Reale é um filósofo da História, do Direito, intelectual que entende a base de todos os ramos do conhecimento; é um intelectual que considera a finitude humana, o fazer história, que conhece a liberdade e busca uma norma onde esta possa ser respeitada, por isso as várias categorias de seus modelos jurídicos.

Embora reconheça a liberdade humana o homem não pode ser dominado por essa, pois esta deve ser realizada na história, e mesmo não se realizando em sua totalidade, as normas nunca podem ser plenamente fruto dessa liberdade. Se assim fosse, não existiria o Direito (a ciência jurídica), pois o Direito não surge para satisfazer as necessidades humanas, mas sim para aplicar regras (normas) que pela soberania do Estado acabam se tornando força incondicionada. Os valores não se materializam completamente na formação das normas, porque se assim fosse, segundo Reale, o Direito perderia sua razão de ser, haja visto se tratar de uma ciência que busca os caminhos para a obtenção de fins, fins estes que só possuem sentido devido a existência dos valores. Não se trata de trocadilho, mas sim da influência fenomenológica de pensadores como Dilthey, Husserl, Heidegger, Merleau-Ponty, que abordam a materialidade do espírito presente na história. Não sem razão que frente sua vastíssima obra jurídica, perscrutando essa ou aquela teoria, remetendo essa ou aquela área, Reale diversas vezes afirma que pretende realizar um processo fenomenológico da experiência jurídica.

Merece ser destacado em sua visão de Direito sua concepção tridimensional (a dialética da complementaridade), a postura de erudito que considerava as necessidades mais básicas dos seres humanos, no caso, as exigências axiológicas. O Direito nada mais é do que uma necessidade, por várias razões: uma delas porque é uma das áreas de manifestação do espírito, que interferem nas regras (normas jurídicas); os valores em parte se materializam por serem produto da finitude humana. Mas os valores da vida e as necessidades são fundamentais para a formação das normas.

No meu entender, tal como tenho exposto em minhas obras, o Direito só se constitui quando determinadas valorações dos fatos sociais culminam numa integração de natureza normativa. Ao contrário do que sustentam os partidários do irracionalismo jurídico, o Direito é impensável sem um momento de racionalização coincidentes com seu momento de caráter normativo. A admissão, porém, da forma racional, como elemento essencial ao Direito, não significa que possam ser esquecidos todos os fatores irracionais ou alógicos que estão presentes tanto na gênese das regras jurídicas como no processo final e decisivo de sua aplicação aos casos concretos, assim como em sua “recepção” pela Lebenswelt. Husserl observa com razão que entre as duas formas de experiência, a “espontânea” e a “científica”, estabelece-se uma recíproca e permanente influência, sendo aquela sempre a base de toda práxis, seja teorética ou extrateorética. Se, de um lado, a Lebenswelt condiciona as estruturas objetivas das ciências, estas, de outro lado, “afluem ao mundo da vida”, mesmo porque os homens”, participando, assim, das “contingências e necessidades da vida espontânea comum”. (Husserl, Apud Reale 2002, 173)

Como não podia ser diferente, foi das correntes neokantianas que Reale começou a enxergar o Direito, uma ciência normativa compreensiva, de maneira dialética, uma dialética diferente da hegeliana, que era estanque, onde de dois elementos (a tese a antítese), resultava uma síntese. A dialética da complementaridade, diferente da dialética genérica e abstrata, precisava ser concreta, alicerçada na experiência história, esteada nos fundamentos da cultura. Tendo como elemento principal os valores, que implicam nos fatos e assim, se voltam para as normas (regras ou leis jurídicas), desde 1940, Reale desenvolvia, e assim, esticava a visão tridimensional já presente, em países como Itália, França, Estados Unidos, América do Sul, etc. Mas, segundo Reale tratava-se de uma dialética aberta e genérica, era preciso confrontar seus elementos, onde um não se reduzisse ao outro. Essa é uma das marcas de Reale, a ideia de irredutibilidade dos elementos teóricos de suas análises, “O que há nelas de novo é uma ampliação do conceito de dialética — que já era dialética de complementaridade inserindo-a na experiência jurídica graças ao conceito de lebenswelt ou mundo da vida, recebido da Filosofia fenomenológica de Husserl, e já objeto de estudo por parte de Dilthey, o mestre da Filosofia dos valores” (Reale 1994, 122).

Extremamente impaciente com o positivismo jurídico, onde o Direito era concebido pelo viés liberal, fruto dos interesses individuais, os avanços das instituições públicas estatais não possibilitaram um questionamento sobre o Poder, e o Direito (racional e abstrato) se consubstanciava no poder que tem o Estado de lhe dar objetividade. Reale didaticamente descreve as fases porque passou a ciência jurídica, suas escolas, seus intérpretes, até enquadrar Noberto Bobbio nas vestes de um neopositivista. A elasticidade das normas é uma necessidade para um autor que se agarrou ao complexo campo da cultura.

Trilhando as Teorias sobre o Valor, como muito bem conhecia, Reale analisa a importância desses para assim alicerçar sua visão culturalista. Não se trata aqui da clássica Teoria dos valores como algo ideal, como nos moldes do último Hurssel, mas sim da ideia de valor ‘valorado’, atribuído pelas relações sociais singulares da cada cultura. Contrário ao pressuposto do inconsciente coletivo de Durkheim, ao ponto de vista de Georges Davy, ao posicionamento de Kant de que o mundo do ser não passa necessariamente para o mundo do dever ser, importava sanar questões como essa:

Desse modo, cabe reconhecer que a explicação sociológica e psicológica é válida para a gênese do mundo estimativo, mas não para a sua validade intrínseca. Porque os valores obrigam? Valerão apenas pelo fato de serem revelados pela consciência total? Mas, quem nos garante que, em dados momentos da História, o partidário do valor autêntico não seja aquele que se divorcia das médias estimativas dominantes e se contrapõe, heroicamente, ao comumente consagrado como concreção do valor mais alto? A História está aí para demonstrar-nos que mártires e heróis revelam, muitas vezes, num ato singular, um valor contestado pela sociedade inteira, e que é só o decurso do tempo que logra desvelar o seu significado altíssimo, arrancando os véus dos preconceitos e da rotina. (Reale 2002, 201-2)

Reale rechaça qualquer tipo de determinismo, o mundo das estimativas nega a passagem mecânica do mundo do ser para o dever ser. Nem sempre o que acontecia na sociedade em se tratando de uma conduta (a ou b) significava o desfecho daquilo que teria que ser. Essa postura faz com que Reale retome Max Scheler e Nicolai Hartmann, com o objetivo de buscar um apoio material empírico da importância dos valores, não do ponto de vista platônico, mas sim dos valores existentes na concretude da vida real. Mais uma vez destacamos a incessante busca de Reale por bases objetivas sobre a importância do valor, que embora sofra a influência dos filósofos citados, afirma que esses filósofos acabam por separar os valores do quadro da história, “estas doutrinas, que encontram seguidores entusiastas no campo da Filosofia Jurídica, notadamente na cultura hispano-americana, estabelecem, a nosso ver, uma separação entre o problema do valor e da história, ficando esta vazia de sentido” (Reale 2002, 204). É no terreno da concretude histórica, infraestrutura para todas as ciências do espírito que se presencia a existência dos valores, por isso “explicação que nos parece mais plausível da experiência dos valores e de sua obrigatoriedade, é nos dada por várias teorias, cujas teses fundamentais reunimos sob a denominação genérica de doutrinas histórico-culturais (Ibidem, 204).

Nessa perspectiva, adentramos a concretude dos valores. O Direito como experiência histórica e cultural é marcado pela implicação dos valores e dos fatos com as normas vigentes. Não se trata de um esquema dialético, mas sim de elementos irredutíveis, que só existem porque se chocam com fatos e normas.


Fonte: Reale, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito, 123.


Como vemos na imagem, as normas jurídicas sofrem a ação de um complexo axiológico, este se integra com os fatos, que por sua vez incidem em novas proposições ou seleção de normas. Reale empreendia um axiologismo histórico oriundo de sua concepção de cultura:

Era natural que de uma compreensão, por assim dizer subjetiva da cultura, se passasse a indicar, com a mesma palavra, o conjunto objetivo de bens artísticos, científicos, técnicos, etc., resultante de nossa atividade criadora. Finalmente, após terem os antropólogos estudado a cultura ou civilização dos povos primitivos, a palavra cultura adquiriu uma significação ainda mais extensa, servindo para indicar tudo aquilo que o ser humano, valendo-se da capacidade que lhe é própria, veio constituindo como patrimônio histórico da espécie, transmitido de uma geração às outras, desde o machado de sílex dos ‘selvagens’ às mais poderosas realizações da arte e da ciência contemporâneas, sem esquecer o aprimoramento mesmo da mente e a extensão dos poderes da sensibilidade, da inteligência e da vontade, em virtude dos prodigiosos instrumentos de comunicação de que dispomos. (Reale, s/n, 56)

Colhendo parte dessa ou daquela Teoria, Reale é um intelectual que como já afirmamos sempre assimila parte das teorias reprovadas, daí seu rico cabedal teórico, tornando a tarefa do pesquisador embaraçosa. Vejamos, por exemplo, sua concepção sobre a Teoria cultural dos valores:

Não é demais esclarecer, desde logo, que sob a rubrica genérica de “doutrinas histórico-culturais” enfeixamos várias tendências, como por exemplo, a de tipo hegeliano, a de tipo diltheyano ou a de inspiração heideggeriana ou marxista, para não lembrarmos senão algumas das orientações de maior projeção em nossos dias. O que as unifica é a convicção da impossibilidade de compreender-se o problema do valor fora do âmbito da História, entendida esta como realização de valores ou como projeção do espírito sobre a natureza, visto dever-se procurar a universalidade do ideal ético com base na experiência histórica e não com abstração dela. (Reale 2002, 204)

Influenciado profundamente pelo pensamento de Dilthey, Reale não iria desconsiderar pontos teóricos de filósofos como Hegel, donde sua ideia de espírito; de Marx, um pensador com os olhos na matéria, e de outros pensadores que chegou a reprovar. Diante de várias leituras, restou a Reale não perder a crença em acreditar no Direito como ciência, daí o filósofo ter uma postura que considere a subjetividade humana em contato com a experiência, o mundo da cultura, por isso, sua tenaz aposta num Direito como experiência. Essa sempre foi sua postura, a de estudar o Direito onde as condições transcendentais estivessem presentes na experiência da vida, da concretude das coisas, no Direito enquanto fator de integração social.

Os valores não são, por conseguinte, objetos ideais, modelos estáticos segundo os quais iriam se desenvolvendo, de maneira reflexa, as novas valorações, mas se inserem antes em nossa experiência histórica, irmanando-se com ela. Entre valor e realidade não há por conseguinte, um abismo; e isto porque entre ambos existe um nexo de polaridade e de implicação, de tal modo que a História não teria sentido sem o valor: um “dado” ao qual não fosse atribuído nenhum valor, seria como que inexistente; um “valor” que jamais se convertesse em momento de realidade, seria algo de abstrato ou de quimérico. Pelas mesmas razões, o valor não se reduz ao real, nem pode coincidir inteiramente, definitivamente, com ele: um valor que se realizasse integralmente, converter-se-ia em “dado”, perderia a sua essência que é a de superar sempre a realidade graças à qual se revela e na qual jamais se esgota (Ibidem, 27) —grifo do autor—  

Essa passagem resume bem a visão que Reale possui dos valores. O jurista realiza um profundo mergulho com o objetivo de definir de onde partir para a análise do que seja ético. A solução é propor uma axiologia histórica, considerando o homem como principal elemento da experiência jurídica, o homem é o mais importante valor-fonte da nova interpretação do Direito.

No centro de nossa concepção axiológica situa-se, pois, a ideia do homem como ente que, a um só tempo, é e dever ser, tendo consciência dessa dignidade. É dessa autoconsciência que nasce a ideia de pessoa, segundo a qual não se é homem pelo mero fato de existir, mas pelo significado ou sentido da existência. Quando apreciamos o problema do homem, toda Ontologia se resolve em Axiologia, abrindo-se as perspectivas da Metafísica. Em verdade, é só do homem que sabemos que é e, ao mesmo tempo, deve ser, mas é admissível que a mesma questão seja proposta com relação a totalidade dos seres, donde a especulação inevitável sobre o sentido do ser enquanto tal. Esta ordem de problemas desenvolve-se, porém, no plano metafísico, podendo apenas ser “pressuposta” ou “conjeturada” no momento da pesquisa puramente ontognoseológica. (Ibidem, 211-2) —grifo do autor—  

Dizendo de outro modo, os estudos levados a cabo por Gustav Radbruch (um neokantiano como foram todos aqueles que interpretaram as teorias jurídicas), somados a influência da Teoria dos objetos, pela qual se buscava o valor das coisas retomados por Scheler e Hartmann, que reabilitaram Dilthey, juntamente com a visão de liberdade fora do plano da história e da polaridade entre o eu e o mundo na pena de Hegel, marcaram do ponto de vista jurídico (o Direito é produto do espírito), as reflexões de Reale. Não é fácil apontar quais os teóricos que o jurista mais teve influência sem apontar quais são essas temáticas. Inicialmente apontemos que Reale combateu as interpretações jurídicas do positivismo jurídico ainda predominante no ocidente, e que ainda marca nossa forma de pensar, que desconsidera suas próprias condições de possibilidade. A influência de Kant é decisiva para um autor que não desacredita no escritor que rechaça, sempre os reelabora, assim se dá com o filósofo alemão. Uma vez que para o filósofo – a história, o Direito é histórico, mas não se esgota nele – está no plano da razão pura, este mantinha-se preso as categorias puras do intelecto.

Entendendo essas categorias puras do pensamento, Reale salientava que Kant não colocou o Direito no plano histórico, fora Hume que se certificara da importância da histórica, nos cabendo lembrar da importância de Vico. O início dos estudos sobre a visão tridimensional como descreve Reale datam de 1940, quando era um jovem levado pela irrequieta paixão da pesquisa. Em sua Teoria Tridimensional do Direito, Reale contextualiza as interpretações jurídicas, estas se davam sob uma dialética que aos olhos do jurista impedia uma visão culturalista do Direito. Nem Kant, com sua visão histórica, nem Hegel, com sua tentativa de síntese do eu com o mundo (daí a despersonalização sob os conceitos de raça, classe, etc.), nem Marx, com sua dialética, que explicava toda a atividade ideológica a partir do modo de produção, davam conta da experiência jurídica, segundo o olhar de Reale. As normas carregavam primeiramente a força do espírito, esse espírito não é o espírito de Hegel que o torna absoluto, mas é da mesma natureza: é o homem o valor- fonte do Direito. O homem conforme Reale é o ser fazedor de seu mundo, que mesmo sendo limitado faz a história, “se o valor da pessoa humana condiciona a experiência estimativa do homem, o quer dizer a sua história, é claro que é nos ciclos culturais que se desenvolvem os esforços de realização do humano, de maneira que em torno do fulcro central vão se ordenando constelações axiológicas distintas, múltiplas expressões do Espírito no processo de seu desvelar-se” (Reale 1994, 141).

Ser finito, o homem enfrenta o drama de sua própria tragicidade, uma vez que não é na história que concretiza seus anseios, mas no futuro, naquilo que pode ser. Diz Reale que o problema do homem não é sentir a história presente, sua preocupação é com o futuro. O futuro é que marca a importância do homem em sua liberdade, liberdade essa que dá sentido à sua conduta, não de maneira desorganizada, mas elaborada à partir das necessidades dos valores de cada época, considerando as relações humanas e as vontades de cada sujeito. Acontece que os seres, os sujeitos históricos não podem fazer aquilo que desejam, aqui estar o anteparo da liberdade, no qual, os intérpretes de Reale veem um ranço de totalitarismo. Um dos principais argumentos de Reale é que o homem é o único ser que não se concretiza na história, não é estudando a história que se entende a concretude do homem.

Se não chamarmos atenção para a visão de que o homem é um sujeito que não se apreende, não se concretiza no mundo, a noção de Direito de Reale fica incompreensível. A norma não é estanque, não é um mero preceito lógico emanada de suas fontes, com seus modelos jurídicos! Direito para Reale existe nas relações sem Estado, existe o Direito pré-categorial que se transforma em Direito objetivo. São os graus de positividade, esse direito pré-categorial não se transforma como no pensamento evolutivo em direito positivo; a crítica à visão evolutiva se dá porque a priori já se sabe qual será o resultado, o elemento final, e o Direito não é uma ciência que possui como método o método das ciências lógicas. Reale chama atenção para o uso específico do método a ser aplicado no Direito, por isso que sua concepção tridimensional nada mais é que um processo, não se trata de um enfoque, tão pouco de uma simples justaposição dos fatos, valores e normas, mas sim, da implicação, da dialética complementar desses três elementos. Os valores culturais, não ideais nos moldes do último Husserl, eram de fundamental importância na Teoria Tridimensional de Reale:

Do vivo contraste entre jusnaturalistas, empenhados na fundamentação transcedente dos valores jurídicos, e positivistas, afirmadores da imanência daqueles valores na experiência histórica, resultou a posição dos dois citados mestres da Escola sud-ocidental alemã, cuja solução, em última análise, se caracteriza pela interposição de u m terceiro elemento, de ligação, entre realidade e idealidade, substrato empírico e valor: o domínio da cultura, a que correspondem os juízos referidos a valores. (Reale s/n, 67)

Um determinado fato nunca é puro, jamais é um fato bruto, pois recebeu valor da cultura de seu povo. Os organizadores do Manual de Antropologia Jurídica, Olney Queiroz Assis e Vitor Frederico Kumpel, afirmam que “Miguel Reale (1999), por exemplo, entende que o direito é fruto da experiência e localiza-se no mundo da cultura, portanto, o direito possui uma dimensão valorativa que não pode ser desprezada. Fato, valor e norma são, segundo ele, os elementos constitutivos da experiência jurídica. Esses elementos sempre se implicam e se estruturam numa conexão necessária e constituem, assim, uma tridimensionalidade que pode ser estática, dinâmica ou de integração” (Assis & Kumpel 2011, 421).

A história peculiar de cada povo, o grau de desenvolvimento de cada cultura dá a tônica daquilo que é valorado. O normativismo jurídico que interpreta as normas jurídicas (dogmática jurídica), momento maior da ciência jurídica é rechaçado por Reale, pois os fatores culturais, as particularidades do ‘Eu’ demarcam essa experiência jurídica. Não é de estranhar vermos a presença de epistemólogos como Thomas Kuhn, de sociólogos como Weber e Dilthey, de antropólogos como Lévi-Strauss, Cassirer, e de filósofos como Max Sheler, Hartmann, Merleau-Ponty, Heidegger, Ortega y Gasset, e acima de tudo, Husserl, na vasta análise de Reale, buscando por uma interpretação culturalista do Direito, elaborando sua Teoria a partir das influências desses pensadores, como por exemplo, refletindo sobre a obra póstuma deste, A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia Transcendental (1936), marcando seu pensamento com a certeza de que o pensamento tende a um fim (intenção objetivada), dando assim, caráter de objetividade analítica ao método aplicado ao Direito.  

 

 

     

Referências

Assis, Olney Queiroz e Vitor Frederico Kumpel. 2011. Manual de Antropologia Jurídica. São Paulo: Saraiva.

Costa Filho, Cícero João da. 2023. Integralismo e teoria política: Miguel Reale e sua análise sobre o Estado, Poder, Direito e Sociedade (1931-1960). São Paulo: Todas as Musas. ISBN 978-65-88543-63-4. https://www.todasasmusas.com.br/livro_integralismo_teoria.html

Paim, Antônio. 1999. Miguel Reale. Bibliografia e estudos críticos. Salvador: Centro de documentação do Pensamento Brasileiro.

Reale, Miguel. 2002. Filosofia do Direito, 19ª edição. São Paulo: Saraiva.

Reale, Miguel. 1998. Fundamentos do Direito. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais.

Reale, Miguel. 2002. Lições Preliminares do Direito. 27ª edição. São Paulo: Saraiva.

Reale, Miguel. O Direito como experiência: introdução à epistemologia jurídica. 2ª edição. São Paulo: Saraiva. 2002.

Reale, Miguel. 2000. Teoria do Direito e do Estado. 5a edição. rev. São Paulo: Saraiva.

Reale, Miguel. 1986. Teoria tridimensional do direito. 4a edição. rev. São Paulo: Saraiva.

Reale, Miguel. 2001. Verdade e conjuntura. 3ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Remond, René. 1988. Introdução a história de nosso tempo, 3: o século XX, de 1914 aos nossos dias. São Paulo: Cultrix.

Rosenfeld, Anatol. 1992. «Cassirer». In Mito e linguagem, por Ernst Cassirer, 3 ª edição. São Paulo: Perspectiva.

Sternhell, Zeev. 2014. «Nascimento da ideologia fascista». Passa Palavra, 23 de fevereiro, seção Pensar, subseção Ideias & Debates. Acessado em 25/05/2020. https://passapalavra.info/2014/02/91656/

Weffort, Francisco. 2011. Formação do pensamento político brasileiro: ideias e personagens. São Paulo: Ática.

  

 

 

 

 

 

Notas

[1] A partir daqui vamos colocar em itálico termos técnicos utilizados por Reale em seus trabalhos para facilitar ao leitor nossa leitura acerca do nosso propósito, e assim facilitar o entendimento do leitor. 

[2] Em nota de rodapé pontuava Reale: Não me parece plausível dizer-se que a “experiência jurídica é um estádio epistemológico anterior ao conhecimento totalmente compreensivo, porém conhecimento enquanto episteme, ou seja, enquanto constância, distância do objeto jurídico em relação a nós” (Sanchez de la Torre –Em torno a la Ciencia Jurídica, 1962, 67) Quer no tocante à Sociologia Jurídica, quer quanto à Jurisprudencia, as respectivas elaborações constituem elementos integrantes da experiência jurídica e nela e por ela se aferem, mesmo porque, como bem pondera o citado autor, a “experiência jurídica depende da conexão entre relação intersubjetiva e função jurídica dentro da sociedade global”, caracterizando-se a investigação atual por “considerar o vivo como um todo” (loc.cit.; cf, outrossim, Sociologia del Derecho, cit., 23 e segs).

 

 

 

 

 

Biodata

Cícero João da Costa Filho: Professor substituto da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), das disciplinas História do Brasil Republicano e História Contemporânea II. Bacharel e licenciado em História pela Universidade Federal do Ceará e em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará, respectivamente. Mestrado História Social, doutorado História Social e dois cursos de pós-doutorado pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. É autor dos livros Padaria Espiritual: cultura e política em Fortaleza no final do século XIX (1892-1898) (Ed. LCTE, 2016); Sílvio Romero: literatura, raça e política (1851-1914) (1851-1914) (Ed. Porto de Ideias, 2017); No limiar das raças: Sílvio Romero (1870-1914) (Ed. Todas as Musas, 2016); Forças do mal: os prejuízos ‘raciais’ da figura do judeu na produção integralista de Gustavo Barroso (1933-1937) (Ed. Todas as Musas, 2019); Visões autoritárias: reflexões sobre o pensamento conservador no Brasil do século XX (Organizador) (Ed. Todas as Musas, 2019); À margem da História: representações e cerceamento de direitos no Brasil Contemporâneo (Orgaizador)(Ed. SertãoCult, 2021). E-mail de contato: cicerojoaofilho@gmail.com

 

 

 

Revista nuestrAmérica, ISSN 0719-3092, editada en la ciudad de Concepción, Chile. Ediciones nuestrAmérica. Correo contacto@revistanuestramerica.cl